quarta-feira, dezembro 17, 2008

Muffins

Acabo de empacotar minhas tralhas para uma mudança de casa. Tenho lembrado, nestes últimos dias como integrante da velha república sem nome, de muitas coisas que me aconteceram aqui, nesse lugar aconchegantemente sujo e receptivamente desordenado. São boas lembranças. Foi um bom lar. Tenho descoberto, porém, que pessoas, muito mais do que lugares, me fazem sentir em casa. Minha terra só é minha morada por causa da família, que espera de braços abertos e com saudades; e pelos bons amigos, que me arrastam para algum boteco e me xingam quando vou embora denovo. 
Minha vida tem sido uma encantadora sucessão de aventuras e desastres, com poucas coisas conseguindo ficar estáveis por mais tempo que o sopro de um vento. Dessas poucas coisas, a maior parte são laços de amizade, que prendem a memória nos bons momentos, quando é possível sentir que um olhar de consideração nos dá um lugar para existir... um lugar mais importante que qualquer pedaço de chão, e que transfigura até mesmo o ambiente mais apertado, fazendo-o ser uma ampla parte da terra, melhor e mais bonita que as demais. 
Desde que vim para cá, longe no Sul, a coisa mais surpreendente e benfazeja que me aconteceu foi justamente ter recebido um novo lugar onde existir, e ter finalmente percebido, no tempo em que me vi completamente fora de casa, toda importância de ter na vida um conjunto de gente que me faz sentir em casa onde quer que eu esteja. Mais duas coisas além dessa são importantes num lugar, se queremos estar realmente aconchegados, como na boa e velha terra natal: um bar em que conhecemos os garçons e um mercadinho no qual pelo menos uma das moças bonitas que nos atendem sabem do que gostamos e nos chamam pelo nome. 
Irei, portanto, mais uma vez, desejar um bom dia para a moça bonita do mercado. Lá, os muffins permanecem bons à despeito das contingências da vida, bem como as bebidas, devidamente geladas. Pouco importa se, à noite, estarei habitando um espaço de chão diferente, porque, apesar de ter me mudado para a vizinhança de um outro mercadinho, poderei ir ainda para o mesmo bar em que conheço os garçons, e me encontrar com um punhado das pessoas que me fazem sentir em casa onde quer que eu esteja. A elas poderei prestar minhas reclamações das saudades que tenho daquele outro tanto de pessoas que primeiro me fez saber que tenho um lar.