terça-feira, março 23, 2010

Sombras e espelhos

Acontecimentos recentes lançaram-me em mais uma de minhas jornadas pela minha própria história. Depois, numa conversa com a Genza, sacerdotisa do templo das Velhas Quase Virgens, acabei concluindo vários pontos visitados ao longo dos caminhos de mim mesmo. Alguns dos frutos dessa expedição serão registrados aqui.
Depois de quatro anos de vida, comecei a enfrentar um dos maiores problemas que já encontrei, e um dos que me proporciona muitas complicações até hoje: os outros. No começo, havia apenas eu mesmo e os outros, que totalizavam doze pessoas, uma enciclopédia — que se transformava em minha nave espacial —, um punhado de brinquedos, um bando de amigos imaginários, exércitos de inimigos imaginários, um rádio e uma TV. Hoje, o número aumentou um tanto e a distinção aprofundou-se bastante — além de fazer muito tempo que não vejo meus amigos imaginários. Considero, agora, que há partes especiais dentro do conceito geral de outros, partes que extrapolam os limites desse conceito: a família, os amigos e os amores. Minha criação cristã aumentou minha tendência natural de dar muito valor aos outros. Aos quatro anos, eu ainda não fazia muita distinção. Havia apenas uma barreira quase intransponível de timidez; e tudo que a ultrapassava era tão importante quanto a maior parte da família. Isso acabou levando-me a pesar demais opiniões de pouco valor, além de confundir valores de opiniões que deveriam ser realmente importantes. Fui lentamente tornando-me uma sombra obediente, que fazia tudo por uma aprovação, só dedicando-me a meus próprios afazeres — que consistiam em inventar aparatos tecnológicos ultra-avançados e nomear todas as minhas coisas de acordo com suas histórias — e tendências naturais em meus momentos autistas, em que eu estava apenas entre meus amigos e inimigos imaginários. Esses momentos foram diminuindo gradualmente, até ocupar apenas cerca de metade de meu tempo (sono incluso). No resto do tempo, eu era apenas uma sombra obediente, com sede de aprovação, sem opinião própria — a opinião estava sempre lá, mas acabava ficando reprimida e restrita a períodos do tempo autista, que passaram a incluir referências mais constantes aos outros.
Aos treze anos, eu era um lamentável espectro deslocado do mundo, porque este só possuía algum lugar para mim enquanto eu elaborava — e às vezes narrava — minhas histórias mirabolantes. A maior parte de minhas relações era extremamente pobre, pois todo meu valor precisava ser atribuído de fora — uma vez que eu não me dava valor algum —, o que resultava, na maior parte das vezes, em um controle tirânico consentido, contra o qual eu só podia reagir em meus momentos autistas — que, à essa altura, contando novamente o sono, ocupavam umas dez horas, sem mais o conforto e o apoio de meus amigos imaginários, que foram deixados de lado em função dos outros.
Aos catorze anos, aconteceu o incidente que me levou ao esforço constante por subverter o valor atribuído aos outros. Pela primeira vez, eu soube — tarde demais e sem ter notado nada por conta própria — que uma moça a quem eu considerava muito bonita e inteligente havia se interessado por mim. No começo de nossa aproximação, quando eu nem imaginava que fosse possível alguém interessar-se por uma sombra sem valor, os colegas de escola, num grande volume, voltaram a atenção para mim — eu que sempre me esforçava por passar despercebido, para não gerar opiniões negativas, uma vez que eu achava inconcebível haver opiniões realmente positivas sobre um espectro quase irreal. Eles a achavam feia. Eles achavam que eu deveria receber todas as humilhações do mundo por estar "namorando" uma garota feia. Na minha cabeça, eu ainda estava há quilômetros de distância de um namoro, e achava injusto que ela (e que eu) sofresse danos e humilhações por algo que, em minha cabeça, tinha muito poucas chances de acontecer — apesar de ser o que eu mais queria. Fui eu mesmo quem causou a ela (e a mim) os maiores danos. Quando eu soube, era tarde demais. Um de meus maiores arrependimentos foi não ter sido capaz — por excesso de timidez e falta de coragem — de nem mesmo tentar reparar esses danos, ou pelo menos preservar o que ainda pudesse existir de nossa proximidade inicial.
Passei a odiar os outros. Dedicava boa parte de meu tempo a insistentemente ostentar, até onde o resto de meus valores cristãos permitia, a bandeira da misantropia, do ceticismo ingênuo, do niilismo despreparado e de tudo mais que pudesse ser usado como uma arma ideológica contra todo o conceito de "outros".
Aos dezesseis anos, descobri que o ódio significava um valor imenso — negativo, mas ainda assim um valor, com todos os seus tributos e gravidades — e que os outros (no conceito mais abrangente, que inclui todos que não são eu) são um espelho. Um espelho onde, de variadas formas, eu vejo a mim mesmo. Quanto mais próximos e mais parecidos eles são comigo, mais eu tendo a enxergar neles — e a negar em mim — os mais variados defeitos. Descobri que é muito difícil conhecer, de verdade, as pessoas, sem falsas projeções. Na maior parte das vezes, sou impedido pelo espelho que me separa dos outros, sem sequer notar eu mesmo refletido nele. Conhecer os outros, para além dessa superficialidade do espelho, requer vários exercícios de autoconhecimento em todos os níveis imagináveis. Devo essas lições a alguns de meus maiores mestres, e considero muita sorte que eu já tivesse, nessa fase conturbada, a capacidade de aprendê-las. Elas levaram-me a descobrir que, ao invés dos outros, eu odiava, na verdade, meu próprio eu: a sombra deformada que eu via agora no espelho que me separava deles.
Foi quase aos dezessete anos que comecei o meu lento caminho de redenção do crime de ter me tornado uma sombra e de, depois, ter me odiado. Ainda encontro-me atravessando esse caminho em muitos aspectos de minha vida. Apenas em alguns consegui concluí-lo, vendo-me ainda perdido, pelo tanto de tempo que permaneci longe de mim, sem saber como eu deveria agir nesses casos. Na maior parte das vezes, minhas tendências ainda restantes de sombra obediente — que agora tento canalizar numa via mais frutífera — me fazem adotar a postura daqueles que considero mais importantes e mais exemplares, das maiores figuras de meu aprendizado e de meu caminho, dentre as quais incluo, além dos mestres, heróis e grandes exemplos — entre outras grandezas que tornaram-se-me indispensáveis —, os colaboradores deste blog, bem como os demais integrantes de meu grupo de amigos de longa data, além de vários de meus familiares com quem mais convivi e, finalmente, todo meu grupo de viagem da última Road Trip. Sempre que não sei ao certo o que fazer, penso no que essas pessoas fariam. A todas elas, vai minha mais profunda gratidão.
Como a mais profunda gratidão é difícil de expressar, podem usar este link: Thank You! Vocês demonstraram de modo pleno um valor que eu não conseguia enxergar em mim.
Na maior parte dos diferentes âmbitos de minha vida, estou apenas começando a voltar a caminhar com minhas próprias pernas, deixar de ser sombra, ter algum valor. O espectro que fui durante tanto tempo ainda me assombra... e, por vezes, a timidez e a falta de coragem, mascaradas pelo cuidado que procuro ter em não prejudicar a existência alheia, impedem-me de fazer o que devia. Devo várias desculpas a muitas pessoas por isso, mas o mais difícil, nesse caso, é perdoar-me. Ainda tento, mais do que deveria, ter cuidado em minhas relações com os outros, principalmente com a parte especial deles, mas, como já dizia o Riobaldo em Grande sertão: veredas, “Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar.”
Apenas recentemente descobri que é melhor dever desculpas por ter pisado no pé de alguém do que ficar eternamente tentando desculpar a mim mesmo por jamais ter dado um passo. Mais uma vez, diria o mesmo Riobaldo em suas histórias, ele que é uma das epígrafes de minha vida, em sua luta por domar o medo: "Viver é muito perigoso [...] A muita coragem, Riobaldo... Se carece de ter muita coragem..."

sábado, março 06, 2010

Tecnologia em excesso!


Alguns sinais de que a humanidade anda dependendo demais de tecnologia!



É meu caro... Dê logo o jeito de alugar uma máquina de cartão de crédito sem fio aí!



Se disser que não trouxe o modem 3G ele ainda vai perguntar se não tem como acessar via wap no celular!


Esse aí só conheceu MSN e Orkut. Nunca jogou simuladores de vôo ou World of Warcraft! Imagina se ele vê esse modelo mouse aí embaixo!?




Acho que a única maneira de tornar o OpenOffice agradável de se trabalhar é usando esse mouse. ¬¬



Um amigo de um primo de um conhecido disse que viu um moleque que falou o número do IP!


Poxa! Faz um upload aí então! Posta no rapidshare... dá um jeito!



LOL! LOL! LOL! LOL! ROFLCOPTER! =P

sexta-feira, março 05, 2010

Subverter os subversores

Faz um bom tempo que ouço falar muito de Marx e de suas teorias, por conta de muita gente dentro e fora das universidades. Vou aproveitar que tenho voltado a ouvir falar um tanto de Marx nos comentários de nosso colaborador Lannart e passar um tanto das minhas opiniões a respeito.
Começo por uma frase do maior conhecedor de Marx cujas aulas já freqüentei: "Quem nunca estudou os 'Grundrisse' jamais deveria considerar que entendeu muita coisa do pensamento de Marx". Esses textos referidos por ele são os rascunhos da obra O capital. Esses rascunhos têm cerca de três vezes o volume de escritos da obra central do pensamento de Marx e parece que não foram ainda traduzidos para o português. Mais importante do que as prerrogativas problemáticas dessa frase, foram as explicações que a seguiram. Elas levaram-me a concluir que eu entendo muito pouco de Marx. Apesar disso, tive contato um pouco maior com um pensador que influenciou Marx muito mais diretamente do que a maior parte dos marxistas gostaria de admitir: Hegel. Mas também entendo muito pouco de Hegel. Porém estudei um bocado, por muitas longas jornadas, das obras de pelo menos três dos pensadores que influenciaram Hegel muito mais diretamente do que a maior parte dos hegelianos gostaria de admitir: Parmênides, Aristóteles e Descartes, em linhagem direta de influências. Seria muita pretensão dizer que entendo muito deles, mas acho que entendi o suficiente para poder expressar algumas opiniões acerca do tataraneto bastardo desses pensadores.
Primeiro, parece que o cerne da teoria de Marx aponta para um movimento de superação natural do capitalismo, inerente à sua própria constituição histórica. Essa é uma herança direta de Hegel, para quem toda e qualquer coisa é uma representação menor de um perfeito absoluto que se aproxima de si mesmo por um movimento de superação composto por três momentos: tese, antítese e síntese — que, por sua vez, é uma nova tese. Sendo assim, o capitalismo é a superação histórica natural de modos de produção mais imperfeitos, que foram superações naturais de outros ainda menos adequados e assim por diante. Como o capitalismo ainda não é perfeito, ele tende a superar-se naturalmente num outro sistema, que Marx chamou de comunismo.
Acontece que, lá pelas tantas, depois de desenvolver, com muita clareza e, diriam os marxistas, perfeição, todas as etapas de evolução natural do capitalismo, aconteceu que Marx teve muita vontade de dar um leve empurrãozinho na história do mundo. Se o Capitão Nascimento fosse contemporâneo e conterrâneo de Marx, teríamos registrado o seguinte discurso histórico, incrementado por muito suor frio: "Eu só gostaria de dizer que vai dar merda isso aí, senhor Marx... Vai morrer gente! senhor Marx..."
Depois de ver tão claramente a estrutura fundamental da economia humana e de sua história, o que é melhor fazer? Minimizar os efeitos negativos dessa natureza? Intervir de modo moderado, consistente e constante, contribuindo para essa evolução natural ocorrer com menores impactos e prejuízos? Não! Vamos criar algo totalmente artificial! Vamos fazer um Cavalo de Tróia obeso, manco e ruim das vistas para invadir o planeta! E, se der merda, bota na conta do Papa. O nome dessa bizarrice sangrenta e medonha é socialismo. A alavanca para empurrar a história, segundo Marx. Uma das maiores aberrações da história humana, segundo muita gente que viveu no leste europeu, ou saiu fugido de lá. Nunca fui defensor ferrenho de qualquer "...ismo". Que o capitalismo, por exemplo, vá catar coquinhos na praia, com sua também grande lista de atrocidades pendurada no pescoço, e deixe as pessoas de bem em paz.
A parte mais violenta das aniquilações do capitalismo ainda estava por vir, mas agora ele contava com a ajuda de mais um maravilhoso "...ismo" para lhe fazer oposição e poder espremer mais um bocado de sangue da humanidade. Seria injusto responsabilizar totalmente um pai pelos crimes que seus filhos cometem depois de crescidos, mas não seria correto deixar de mencionar as devidas influências, inocentando totalmente o maldito tataraneto bastardo de uma linhagem de filósofos. Apoio todas as críticas sensatas a qualquer "...ismo". É muito difícil conceber um "...ismo" como crítica sensata de outro. Uma crítica sensata ao capitalismo é a teoria da evolução histórica dos meios de produção, que Marx elaborou. O comunismo é resultante dessa crítica, como destino do seu predecessor.
É possível dizer que as pessoas teriam se matado igualmente a despeito de qualquer bandeira, porque elas gostam de se matar. Não sou contrário a essa hipótese, mas ela nos dá o direito de dizer que toda e qualquer teoria é completamente irrelevante, porque as pessoas vão continuar levando suas vidas completamente a despeito das teorias, daí jogamos todos os autores de teorias — incluindo Marx — no lixo e fim. Prefiro atentar para o fato de que pessoas também vestem camisas, assumem "...ismos", procuram por fundamentos que considerem plausíveis para balizar suas vidas.
A obra de Marx é muito boa para compreender os fundamentos teóricos que as pessoas com muito dinheiro usam para continuar onde estão, bem como para saber de onde tudo isso veio e pra onde está indo. Ainda há elementos de sobra, no que nos restou do pensamento de Marx, após décadas de interpretações estranhas à manutenção da vida, para se criar soluções e meios de intervenção eficientes e pacíficos. Mas isso ainda é só aperfeiçoar um problema. O comunismo ainda não é perfeito. E nem seus sucessores o serão. A sede de perfeição a qualquer custo continua podendo mascarar um descaminho que está alguns passos atrás na história.
O descaminho tem a ver com o que Parmênides pensou, estipulando uma medida que foi capaz de ser tomada por Aristóteles como um fundamento único para todas as coisas. Descartes posicionou quase inteiramente em nosso pensamento essa forma de ver um só fundamento para a existência. Hegel o concebeu como um absoluto, de certa forma independente de nós, mas que nos gera como uma necessidade para aproximar-se de si mesmo. O cerne do descaminho consiste nisso: ver tudo desde um só fundamento comum. Torna-se possível compreender tudo, ou, na verdade, considerar que, mais uma vez, se compreendeu tudo.
Heráclito, por vezes relegado em decorrência de ser considerado obscuro, escreveu muito bem palavras que diziam, mais ou menos: "A presunção precisa ser apagada mais que o incêndio". Ao procurar um fundamento único para toda história dos meios de produção, Marx acabou presumindo que é possível compreender inteiramente o capitalismo, suas causas e destinos, bem como viabilizar um adiantamento desses destinos, ou um movimento em prol deles.
Desde Parmênides, por um triz, os pensadores não conseguiram esgotar o assunto do pensamento. Por um triz, não se compreendeu de uma vez por todas a realidade. Por um triz... Chegamos tão perto! Algumas dezenas de milhões morreram. Algumas centenas de milhares de bombas explodiram. Várias centenas de desastres naturais aconteceram. Tudo por um triz! Podemos até dizer que o mundo vai continuar a fazer suas maldades a despeito dos pensamentos — e repito: com esse argumento, podemos jogar todo pensamento no lixo, sem sobrar nenhum. Também podemos dizer que as coisas teimam em ter múltiplas determinações quando deveriam ter uma só, mas por que diabos não procuramos explicar as coisas de uma forma mais adequada a elas mesmas? Será tão difícil assumir os próprios limites?
Marx é bom para explicar, por exemplo, o mercado. Mas não é tão bom para nos deixar ver que "o mercado", bem como muitas outras entidades que criamos para nossa própria conveniência, podem ser sacudidas de nossas costas, nos libertando para alguma outra coisa, de preferência mais humana, no bom sentido. Vistas sem muita presunção, nossas criações todas são tentativas mais ou menos tortas de fazer as coisas direito.
Esse texto é fruto de uma pane mental depois de ler e pensar a respeito de textos que envolvem um bom tanto da história de nosso pensamento — filosófico, ocidental. Acabei escrevendo palavras demais num tempo menor que o devido. Revisei uma vez só. Não gostei muito do que vi, mas está à altura de representar minha opinião acerca de Marx e suas idéias. Voltarei a ler. É provável que eu desapareça por um tempo, até terminar de ler e escrever algumas coisas. Mas sem demoras desnecessárias, desta vez.

Fragmentos



As paisagens se modificam...

Ao invés de pétalas ou folhas, temos papéis de bala.

Ao invés de aves marinhas, temos urubus.

Ao invés de siris ou caranguejos na areia das praias, temos ratos.

Em lugar do amor e do equilíbrio, temos ganância e destruição.

E a terra, treme.


segunda-feira, março 01, 2010

Motivos motores

Faz um bom tempo que as questões de utilidade e inutilidade debatem-se em minha cabeça. Começou quando eu tinha treze anos e fui descobrindo, em minhas conversas com meus pais, que uma hora teria que decidir muitas coisas. O que fazer da vida, andar com quem, tornar-me o quê, e assim por diante.
A vida é útil? inútil? nada disso? ambos? alguma outra coisa? Em qualquer caso, se ela é alguma coisa, deveria ser mesmo isso? Conversei com muitos adultos desde então, e li um punhado de livros, e tive um bocado de aulas, freqüentei uns tantos grupos religiosos, céticos, mistos... e descobri a cada vez uma resposta excelente, que confirmava uma velha teoria, nem minha, nem de ninguém: a vida não é pronta, nem fechada. Se fica pronta, é só quando termina e, até lá, seus caminhos estão abertos. A vida acaba se ajeitando com o que fizermos dela.
Algumas pessoas vendem caminhos. Muitas compram. Há muitos caminhos dados de graça e gente que tenta seguir vários ao mesmo tempo. Uma coisa todos os caminhos parecem ter em comum: eles só são mais fáceis ou mais difíceis por comparações superficiais feitas de fora.
Depois que essas conclusões reviraram-se internamente em minha vida com a tão grande e tão comum exigência de utilidade de nosso tempo, acabei observando muitas outras coisas e decidindo alguns dos meus caminhos desde essas observações.
As coisas realmente importantes não se deixam medir pela utilidade. Estão acima dela, na minha opinião. Amor, para começar. Parece que é o que impede as mães de atirarem os filhos pela janela, ou os pais de consumarem um aborto retroativo, se a criação não teve os resultados esperados. Por que outro motivo insistiríamos tanto em tantos caminhos que podem nos desgastar, fazer mal, atrasar? É sempre possível amar bons caminhos, boas pessoas, boas coisas; todas as coisas amadas tendem a parecer boas, apesar de nem sempre serem. Pais, família, amigos, mulheres... depois os filhos, que podem passar a ocupar o primeiro lugar e recomeçar o ciclo. Muitos de nossos caminhos mais importantes são trilhados por causa — talvez por conseqüência — do amor.
A arte — música, literatura, filmes, e assim por diante — já parece começar a misturar amor e utilidade, porque é possível vender arte, produzir arte, viver de arte. Mas o que consideramos melhor no meio de todas essas coisas, costuma teimar e não se deixar medir pela utilidade. Amamos uma boa música porque ela existe, porque a ouvimos, sem que ela precise ser outra coisa que ela mesma. Ainda tenho muitos sonhos em trilhar um caminho que seja da arte, ou que a atravesse em algum ponto, porque considero a melhor alternativa para fazer o que preciso, o que quero, o que gosto. A exigência por utilidade, muito legítima por representar as necessidades inerentes à vida, acaba nos exigindo um tempo e uma dedicação que nem sempre se encaixam com aqueles que a arte exige.
O conhecimento parece misturar amor e utilidade ainda mais. Acabamos sendo convocados a prestar contas para o mundo, a produzir algo com o que sabemos fazer, mesmo quando não gostamos muito de exercer o que aprendemos. Acredito que essas coisas grandes, fundamentais e imprescindíveis — amor, arte, conhecimento — têm uma importância que ultrapassa serventia, utilidade, ou qualquer mera necessidade da vida que não seja o simples fato de viver. Conhecemos, criamos e amamos porque vivemos. Seria bem estranho — senão impossível — conceber a vida sem alguma dessas grandezas fundamentais. Nunca fui contrário a receber um retorno devido por algo produzido, ou a empenhar o conhecimento, a arte e o amor para intensificar e melhorar a vida. Reduzir tudo ao âmbito da mera utilidade é o que considero um grande problema.
O amor é um dos temas centrais de minha vida. A utilidade é aquilo que mais é exigido de mim desde os treze anos. Talvez por isso eu tenha escolhido trilhar um caminho repleto do conhecimento mais inútil — ou mais resistente à medida da utilidade — engendrado pela história humana. É um caminho que, do jeito como estou tentando percorrer, acaba atravessando a arte — e talvez retorne a ela. Quando isso acontecer, espero ter coisas melhores a dizer a respeito da vida, do amor e da arte. Por enquanto, ficam essas incompletas observações que refletem meus pensamentos, que, por sua vez, revolvem-se na tentativa de fazer com que eu viva das coisas que mais amo.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Abortem a realidade!


No meu trabalho tenho contato com algumas situações delicadas. Desde uma pessoa com AIDS, que talvez possa ser um conhecido, até uma criança que nasceu morta ou morreu pouco depois de nascer devido a "mãe" ter tentado aborto.

Comecemos pelo último caso que citei. Uma jovem de 23 anos, estudante, quase certo que seja uma univesitária patrocinada pelos pais que moram no interior ou em outro estado, moradora de um bairro de classe média-alta. Difícil não fazer pré julgamentos, mas espera-se que seja uma pessoa que tenha um pouco mais de conhecimento e nível cultural. Engravidou. Não sei em que momento, tentou aborto com Citotec. A criança nasceu com inúmeras deficiências e complicações, as piores possíveis, e morreu pouco depois. Aqui tem mais informações sobre o Citotec, ou Cytotec.

Não vou entrar mais a fundo na questão do aborto. Meu posicionamento é a favor da descriminalização, mas apenas acompanhada de muita informação. É preciso educar o povo antes de "oferecer" o direito de fazer uma escolha como essa. Enfim, o que penso sobre o caso é que tudo poderia ter sido evitado. Claro que acidentes podem acontecer. Mas, infelizmente, creio que a "mãe" pensou apenas em si mesma a maior parte do tempo. Não excluo também a culpa do "pai".

Vamos aos outros dois casos que me deixaram perplexo: uma criança recém nascida que morreu devido a complicações causadas pela candidíase contraída pela "mãe" durante ou antes da gravidez, que acabou evoluindo para uma infecção que passou para a criança. A infecção matou o bebê. Candidiase é uma doença muito simples de se identificar e tratar. Outra criança recém nascida, acometida por escabiose. Fica até menos impressionante dizer que foi a escabiose que matou a criança. Aos leigos (assim como eu), escabiose é a popular sarna. SARNA!? Pode uma coisa dessas??? Eu nem imaginava que era possível morrer por causa de sarna!!

Contrapondo ao primeiro caso, esses dois últimos ocorreram em áreas de classe (muito) baixa. Sem pré julgamentos aqui também. Isso poderia ter ocorrido em outros níveis da sociedade. Mas o fato é que não ocorreram. O que, provavelmente, colaborou para que ambos os casos acontecessem foi a falta de informação e educação das mais básicas. Não acredito que tenham sido apenas situações de descaso. Me recuso! A verdade é que eram duas mulheres que certamente não tiveram acesso a educação e tampouco aos serviços de saúde, seja por total ignorância e desconhecimento de seus direitos ou pela falta de acesso aos mesmos.

Partindo de todos os casos, poderíamos iniciar discussões que passariam por valores, moral, ética, política, educação, direitos, capitalismo, lucro e nem sei mais o quê. Uma diversidade de fatores podem colaborar para que os três casos ocorram. Mas eu gostaria de destacar valores e educação. Ambos faltaram completamente. Seja a educação que deveria ser garantida pelo Estado a todo cidadão ou os valores que são passados pelos pais, que são parte importante da educação e da formação de cada indivíduo. É muito difícil falar sobre isso sem cometer o erro de ser preconceituoso ou conservador, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Mas talvez eu seja mesmo, admito.

Apenas saber sobre esses três casos me abalou profundamente. E isso porque eu apenas li sobre eles! Não cheguei nem perto nem soube nada de qualquer pessoa envolvida. Estou supondo muita coisa. Mas o mais triste é saber que qualquer suposição, por pior que seja, é sempre muito próxima da realidade. E quando partimos para a realidade, nos deparamos com um sem número de situações iguais ou piores. Chega a ser desesperador.

Eu só consigo pensar em uma pergunta:

Esse é o mundo que estamos criando?



PS: A pergunta é similar ao título de uma música maravilhosa, e triste, do Queen: Is This The World We Created.

Aqui está um vídeo da música tocada ao vivo e com a tradução em português.




Se falhar o vídeo no post, aqui está o link: http://www.youtube.com/watch?v=IorxEFvGZYM

PS2: Sim. Ando meio deprimido. Essas coisas me afetam muito. E olha que pretendo ser Assistente Social...

PS3: Me parece que o governo evita citar o uso do Citotec até mesmo para esclarecer sobre os malefícios causados. Creio eu que seja para não incentivar/popularisar ainda mais o seu uso para o aborto. Não encontrei muita coisa sobre o remédio a não ser diversos sites oferecendo-o ou mulheres querendo saber como consegui-lo. Basta pesquisar no Google. É muito triste...

PS4: Nossa amiga médica (ou os demais também) pode me corrigir se eu tiver falado bobagem em qualquer parte do texto.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Senda do regato esquecido

Certo dia, percebi que precisava ir a algum lugar, mas não conseguia pensar em lugar algum. Este lugar deveria ser calmo, pois de há muito já me cansava o barulho da cidade onde eu morava. Foi quando comecei a raciocinar... e em minha mente eu montei este refúgio.
Uma bela paisagem, de áreas verdes. Uma estrada deserta guardava a porteira para o esconderijo de meus sonhos. De um lado, uma plantação de pimenta-do-reino; do outro, uma cerca cortada por uma estrada de chão, que, por sua vez, era protegida pela tal porteira. Passando pela estrada, eu poderia notar diversas árvores compondo uma mata. À minha direita ficava um pasto, aliás, um belo pasto, com a grama verde aparada pelo gado que ali pastava todos os dias. Mais a diante, depois da mata, uma casa simples e pequena, branca, de detalhes azuis, que ficava de frente para o pasto, como que para vigiá-lo, uma vez que este era ainda maior do que a mata. O silêncio era quebrado apenas pelo canto dos pássaros e por um leve barulho de águas correntes. Fiquei curioso com essas águas e prossegui mais rápido o meu caminho, que me levou ao topo de um morro cercado por pasto. Agora eu estava feliz. Lá de cima, eu podia avistar um córrego grande e de águas límpidas, com peixes de todas as cores e tipos. Várias árvores — em volta do pasto e às margens do regato — davam uma beleza ainda maior para a deslumbrante paisagem.
Uma ponte! Foi uma ponte que eu achei às margens do rio — que agora eu o chamava assim por perceber que ele era maior do que eu imaginava. Atravessei a ponte e segui as águas do rio, que foram parar numa lagoa, com um alto morro de pedra do outro lado e algumas árvores em sua extensão. Mais ao longe, avistei uma morada, um pequeno abrigo de madeira, com telhado de palha.
Finalmente encontrei o meu canto, o meu tão desejado lugar, onde eu poderia fazer o que quiser, sem ninguém para criticar ou reclamar. Para aumentar minha felicidade, nessa cabana eu encontrei alguém. Minha alma gêmea, meu par perfeito. Passei a morar nesse lugar. E lá eu construí minhas coisas, minhas terras, meu amor e minha família.
É uma pena, um grande lamento, que eu estava me enterrando num abismo. No abismo da insanidade... pois este lugar só existia em minha mente. Agora não posso mais sair de lá, porque somente despertaria de meu sonho eterno, se encontrasse um lugar como aquele. Um refúgio perfeito.
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O texto é do século passado, datado do segundo dia de julho do sétimo ano da década de noventa. Coisa antiga. Aconteceu numa prova bimestral de redação, cuja data coincidiu com meu aniversário de quinze anos, e voltou do limbo recentemente, enquanto eu rearrumava mais uma vez meus papéis e coisas antigas. O título original é "Refúgio" — e eu continuo achando melhor o título original, mas não vou questionar os motivos misteriosos que me fizeram, hoje, "lembrar" do atual título, enquanto procurava o texto para digitar e publicar. Modifiquei o menor número possível de palavras, acentos e sinais de pontuação. Lembrei bem do que pretendia com o escrito — e por isso me senti no direito de fazer tais alterações, que são mais de adequação à proposta do que de adequação às normas. Eu pretendia transmitir uma experiência que dependesse do mínimo possível de fatores — dentre nomes, identidades, gêneros, posições sociais, contextos, e assim por diante. Planejava, já faz algum tempo, postar isso tudo aqui no blog. Engraçado ter algumas semelhanças estruturais com o conto do Lannart — principalmente o tema da insanidade e a ausência de nomes próprios, detalhes que já vinha sempre revendo em diversas obras (como exemplos, o filme Clube da Luta, com um protagonista sem nome e altas doses de insanidade; e o conto O sósia, de Dostoiévski, em que o nome é só mais um sinal da perda de individuação) todas elas intimamente relacionadas com a vida na cidade (no espaço e no tempo da cidade, grande, abafada, barulhenta e estranha, de qualquer lugar e época).
Por hoje é só.