terça-feira, março 23, 2010

Sombras e espelhos

Acontecimentos recentes lançaram-me em mais uma de minhas jornadas pela minha própria história. Depois, numa conversa com a Genza, sacerdotisa do templo das Velhas Quase Virgens, acabei concluindo vários pontos visitados ao longo dos caminhos de mim mesmo. Alguns dos frutos dessa expedição serão registrados aqui.
Depois de quatro anos de vida, comecei a enfrentar um dos maiores problemas que já encontrei, e um dos que me proporciona muitas complicações até hoje: os outros. No começo, havia apenas eu mesmo e os outros, que totalizavam doze pessoas, uma enciclopédia — que se transformava em minha nave espacial —, um punhado de brinquedos, um bando de amigos imaginários, exércitos de inimigos imaginários, um rádio e uma TV. Hoje, o número aumentou um tanto e a distinção aprofundou-se bastante — além de fazer muito tempo que não vejo meus amigos imaginários. Considero, agora, que há partes especiais dentro do conceito geral de outros, partes que extrapolam os limites desse conceito: a família, os amigos e os amores. Minha criação cristã aumentou minha tendência natural de dar muito valor aos outros. Aos quatro anos, eu ainda não fazia muita distinção. Havia apenas uma barreira quase intransponível de timidez; e tudo que a ultrapassava era tão importante quanto a maior parte da família. Isso acabou levando-me a pesar demais opiniões de pouco valor, além de confundir valores de opiniões que deveriam ser realmente importantes. Fui lentamente tornando-me uma sombra obediente, que fazia tudo por uma aprovação, só dedicando-me a meus próprios afazeres — que consistiam em inventar aparatos tecnológicos ultra-avançados e nomear todas as minhas coisas de acordo com suas histórias — e tendências naturais em meus momentos autistas, em que eu estava apenas entre meus amigos e inimigos imaginários. Esses momentos foram diminuindo gradualmente, até ocupar apenas cerca de metade de meu tempo (sono incluso). No resto do tempo, eu era apenas uma sombra obediente, com sede de aprovação, sem opinião própria — a opinião estava sempre lá, mas acabava ficando reprimida e restrita a períodos do tempo autista, que passaram a incluir referências mais constantes aos outros.
Aos treze anos, eu era um lamentável espectro deslocado do mundo, porque este só possuía algum lugar para mim enquanto eu elaborava — e às vezes narrava — minhas histórias mirabolantes. A maior parte de minhas relações era extremamente pobre, pois todo meu valor precisava ser atribuído de fora — uma vez que eu não me dava valor algum —, o que resultava, na maior parte das vezes, em um controle tirânico consentido, contra o qual eu só podia reagir em meus momentos autistas — que, à essa altura, contando novamente o sono, ocupavam umas dez horas, sem mais o conforto e o apoio de meus amigos imaginários, que foram deixados de lado em função dos outros.
Aos catorze anos, aconteceu o incidente que me levou ao esforço constante por subverter o valor atribuído aos outros. Pela primeira vez, eu soube — tarde demais e sem ter notado nada por conta própria — que uma moça a quem eu considerava muito bonita e inteligente havia se interessado por mim. No começo de nossa aproximação, quando eu nem imaginava que fosse possível alguém interessar-se por uma sombra sem valor, os colegas de escola, num grande volume, voltaram a atenção para mim — eu que sempre me esforçava por passar despercebido, para não gerar opiniões negativas, uma vez que eu achava inconcebível haver opiniões realmente positivas sobre um espectro quase irreal. Eles a achavam feia. Eles achavam que eu deveria receber todas as humilhações do mundo por estar "namorando" uma garota feia. Na minha cabeça, eu ainda estava há quilômetros de distância de um namoro, e achava injusto que ela (e que eu) sofresse danos e humilhações por algo que, em minha cabeça, tinha muito poucas chances de acontecer — apesar de ser o que eu mais queria. Fui eu mesmo quem causou a ela (e a mim) os maiores danos. Quando eu soube, era tarde demais. Um de meus maiores arrependimentos foi não ter sido capaz — por excesso de timidez e falta de coragem — de nem mesmo tentar reparar esses danos, ou pelo menos preservar o que ainda pudesse existir de nossa proximidade inicial.
Passei a odiar os outros. Dedicava boa parte de meu tempo a insistentemente ostentar, até onde o resto de meus valores cristãos permitia, a bandeira da misantropia, do ceticismo ingênuo, do niilismo despreparado e de tudo mais que pudesse ser usado como uma arma ideológica contra todo o conceito de "outros".
Aos dezesseis anos, descobri que o ódio significava um valor imenso — negativo, mas ainda assim um valor, com todos os seus tributos e gravidades — e que os outros (no conceito mais abrangente, que inclui todos que não são eu) são um espelho. Um espelho onde, de variadas formas, eu vejo a mim mesmo. Quanto mais próximos e mais parecidos eles são comigo, mais eu tendo a enxergar neles — e a negar em mim — os mais variados defeitos. Descobri que é muito difícil conhecer, de verdade, as pessoas, sem falsas projeções. Na maior parte das vezes, sou impedido pelo espelho que me separa dos outros, sem sequer notar eu mesmo refletido nele. Conhecer os outros, para além dessa superficialidade do espelho, requer vários exercícios de autoconhecimento em todos os níveis imagináveis. Devo essas lições a alguns de meus maiores mestres, e considero muita sorte que eu já tivesse, nessa fase conturbada, a capacidade de aprendê-las. Elas levaram-me a descobrir que, ao invés dos outros, eu odiava, na verdade, meu próprio eu: a sombra deformada que eu via agora no espelho que me separava deles.
Foi quase aos dezessete anos que comecei o meu lento caminho de redenção do crime de ter me tornado uma sombra e de, depois, ter me odiado. Ainda encontro-me atravessando esse caminho em muitos aspectos de minha vida. Apenas em alguns consegui concluí-lo, vendo-me ainda perdido, pelo tanto de tempo que permaneci longe de mim, sem saber como eu deveria agir nesses casos. Na maior parte das vezes, minhas tendências ainda restantes de sombra obediente — que agora tento canalizar numa via mais frutífera — me fazem adotar a postura daqueles que considero mais importantes e mais exemplares, das maiores figuras de meu aprendizado e de meu caminho, dentre as quais incluo, além dos mestres, heróis e grandes exemplos — entre outras grandezas que tornaram-se-me indispensáveis —, os colaboradores deste blog, bem como os demais integrantes de meu grupo de amigos de longa data, além de vários de meus familiares com quem mais convivi e, finalmente, todo meu grupo de viagem da última Road Trip. Sempre que não sei ao certo o que fazer, penso no que essas pessoas fariam. A todas elas, vai minha mais profunda gratidão.
Como a mais profunda gratidão é difícil de expressar, podem usar este link: Thank You! Vocês demonstraram de modo pleno um valor que eu não conseguia enxergar em mim.
Na maior parte dos diferentes âmbitos de minha vida, estou apenas começando a voltar a caminhar com minhas próprias pernas, deixar de ser sombra, ter algum valor. O espectro que fui durante tanto tempo ainda me assombra... e, por vezes, a timidez e a falta de coragem, mascaradas pelo cuidado que procuro ter em não prejudicar a existência alheia, impedem-me de fazer o que devia. Devo várias desculpas a muitas pessoas por isso, mas o mais difícil, nesse caso, é perdoar-me. Ainda tento, mais do que deveria, ter cuidado em minhas relações com os outros, principalmente com a parte especial deles, mas, como já dizia o Riobaldo em Grande sertão: veredas, “Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar.”
Apenas recentemente descobri que é melhor dever desculpas por ter pisado no pé de alguém do que ficar eternamente tentando desculpar a mim mesmo por jamais ter dado um passo. Mais uma vez, diria o mesmo Riobaldo em suas histórias, ele que é uma das epígrafes de minha vida, em sua luta por domar o medo: "Viver é muito perigoso [...] A muita coragem, Riobaldo... Se carece de ter muita coragem..."

sábado, março 06, 2010

Tecnologia em excesso!


Alguns sinais de que a humanidade anda dependendo demais de tecnologia!



É meu caro... Dê logo o jeito de alugar uma máquina de cartão de crédito sem fio aí!



Se disser que não trouxe o modem 3G ele ainda vai perguntar se não tem como acessar via wap no celular!


Esse aí só conheceu MSN e Orkut. Nunca jogou simuladores de vôo ou World of Warcraft! Imagina se ele vê esse modelo mouse aí embaixo!?




Acho que a única maneira de tornar o OpenOffice agradável de se trabalhar é usando esse mouse. ¬¬



Um amigo de um primo de um conhecido disse que viu um moleque que falou o número do IP!


Poxa! Faz um upload aí então! Posta no rapidshare... dá um jeito!



LOL! LOL! LOL! LOL! ROFLCOPTER! =P

sexta-feira, março 05, 2010

Subverter os subversores

Faz um bom tempo que ouço falar muito de Marx e de suas teorias, por conta de muita gente dentro e fora das universidades. Vou aproveitar que tenho voltado a ouvir falar um tanto de Marx nos comentários de nosso colaborador Lannart e passar um tanto das minhas opiniões a respeito.
Começo por uma frase do maior conhecedor de Marx cujas aulas já freqüentei: "Quem nunca estudou os 'Grundrisse' jamais deveria considerar que entendeu muita coisa do pensamento de Marx". Esses textos referidos por ele são os rascunhos da obra O capital. Esses rascunhos têm cerca de três vezes o volume de escritos da obra central do pensamento de Marx e parece que não foram ainda traduzidos para o português. Mais importante do que as prerrogativas problemáticas dessa frase, foram as explicações que a seguiram. Elas levaram-me a concluir que eu entendo muito pouco de Marx. Apesar disso, tive contato um pouco maior com um pensador que influenciou Marx muito mais diretamente do que a maior parte dos marxistas gostaria de admitir: Hegel. Mas também entendo muito pouco de Hegel. Porém estudei um bocado, por muitas longas jornadas, das obras de pelo menos três dos pensadores que influenciaram Hegel muito mais diretamente do que a maior parte dos hegelianos gostaria de admitir: Parmênides, Aristóteles e Descartes, em linhagem direta de influências. Seria muita pretensão dizer que entendo muito deles, mas acho que entendi o suficiente para poder expressar algumas opiniões acerca do tataraneto bastardo desses pensadores.
Primeiro, parece que o cerne da teoria de Marx aponta para um movimento de superação natural do capitalismo, inerente à sua própria constituição histórica. Essa é uma herança direta de Hegel, para quem toda e qualquer coisa é uma representação menor de um perfeito absoluto que se aproxima de si mesmo por um movimento de superação composto por três momentos: tese, antítese e síntese — que, por sua vez, é uma nova tese. Sendo assim, o capitalismo é a superação histórica natural de modos de produção mais imperfeitos, que foram superações naturais de outros ainda menos adequados e assim por diante. Como o capitalismo ainda não é perfeito, ele tende a superar-se naturalmente num outro sistema, que Marx chamou de comunismo.
Acontece que, lá pelas tantas, depois de desenvolver, com muita clareza e, diriam os marxistas, perfeição, todas as etapas de evolução natural do capitalismo, aconteceu que Marx teve muita vontade de dar um leve empurrãozinho na história do mundo. Se o Capitão Nascimento fosse contemporâneo e conterrâneo de Marx, teríamos registrado o seguinte discurso histórico, incrementado por muito suor frio: "Eu só gostaria de dizer que vai dar merda isso aí, senhor Marx... Vai morrer gente! senhor Marx..."
Depois de ver tão claramente a estrutura fundamental da economia humana e de sua história, o que é melhor fazer? Minimizar os efeitos negativos dessa natureza? Intervir de modo moderado, consistente e constante, contribuindo para essa evolução natural ocorrer com menores impactos e prejuízos? Não! Vamos criar algo totalmente artificial! Vamos fazer um Cavalo de Tróia obeso, manco e ruim das vistas para invadir o planeta! E, se der merda, bota na conta do Papa. O nome dessa bizarrice sangrenta e medonha é socialismo. A alavanca para empurrar a história, segundo Marx. Uma das maiores aberrações da história humana, segundo muita gente que viveu no leste europeu, ou saiu fugido de lá. Nunca fui defensor ferrenho de qualquer "...ismo". Que o capitalismo, por exemplo, vá catar coquinhos na praia, com sua também grande lista de atrocidades pendurada no pescoço, e deixe as pessoas de bem em paz.
A parte mais violenta das aniquilações do capitalismo ainda estava por vir, mas agora ele contava com a ajuda de mais um maravilhoso "...ismo" para lhe fazer oposição e poder espremer mais um bocado de sangue da humanidade. Seria injusto responsabilizar totalmente um pai pelos crimes que seus filhos cometem depois de crescidos, mas não seria correto deixar de mencionar as devidas influências, inocentando totalmente o maldito tataraneto bastardo de uma linhagem de filósofos. Apoio todas as críticas sensatas a qualquer "...ismo". É muito difícil conceber um "...ismo" como crítica sensata de outro. Uma crítica sensata ao capitalismo é a teoria da evolução histórica dos meios de produção, que Marx elaborou. O comunismo é resultante dessa crítica, como destino do seu predecessor.
É possível dizer que as pessoas teriam se matado igualmente a despeito de qualquer bandeira, porque elas gostam de se matar. Não sou contrário a essa hipótese, mas ela nos dá o direito de dizer que toda e qualquer teoria é completamente irrelevante, porque as pessoas vão continuar levando suas vidas completamente a despeito das teorias, daí jogamos todos os autores de teorias — incluindo Marx — no lixo e fim. Prefiro atentar para o fato de que pessoas também vestem camisas, assumem "...ismos", procuram por fundamentos que considerem plausíveis para balizar suas vidas.
A obra de Marx é muito boa para compreender os fundamentos teóricos que as pessoas com muito dinheiro usam para continuar onde estão, bem como para saber de onde tudo isso veio e pra onde está indo. Ainda há elementos de sobra, no que nos restou do pensamento de Marx, após décadas de interpretações estranhas à manutenção da vida, para se criar soluções e meios de intervenção eficientes e pacíficos. Mas isso ainda é só aperfeiçoar um problema. O comunismo ainda não é perfeito. E nem seus sucessores o serão. A sede de perfeição a qualquer custo continua podendo mascarar um descaminho que está alguns passos atrás na história.
O descaminho tem a ver com o que Parmênides pensou, estipulando uma medida que foi capaz de ser tomada por Aristóteles como um fundamento único para todas as coisas. Descartes posicionou quase inteiramente em nosso pensamento essa forma de ver um só fundamento para a existência. Hegel o concebeu como um absoluto, de certa forma independente de nós, mas que nos gera como uma necessidade para aproximar-se de si mesmo. O cerne do descaminho consiste nisso: ver tudo desde um só fundamento comum. Torna-se possível compreender tudo, ou, na verdade, considerar que, mais uma vez, se compreendeu tudo.
Heráclito, por vezes relegado em decorrência de ser considerado obscuro, escreveu muito bem palavras que diziam, mais ou menos: "A presunção precisa ser apagada mais que o incêndio". Ao procurar um fundamento único para toda história dos meios de produção, Marx acabou presumindo que é possível compreender inteiramente o capitalismo, suas causas e destinos, bem como viabilizar um adiantamento desses destinos, ou um movimento em prol deles.
Desde Parmênides, por um triz, os pensadores não conseguiram esgotar o assunto do pensamento. Por um triz, não se compreendeu de uma vez por todas a realidade. Por um triz... Chegamos tão perto! Algumas dezenas de milhões morreram. Algumas centenas de milhares de bombas explodiram. Várias centenas de desastres naturais aconteceram. Tudo por um triz! Podemos até dizer que o mundo vai continuar a fazer suas maldades a despeito dos pensamentos — e repito: com esse argumento, podemos jogar todo pensamento no lixo, sem sobrar nenhum. Também podemos dizer que as coisas teimam em ter múltiplas determinações quando deveriam ter uma só, mas por que diabos não procuramos explicar as coisas de uma forma mais adequada a elas mesmas? Será tão difícil assumir os próprios limites?
Marx é bom para explicar, por exemplo, o mercado. Mas não é tão bom para nos deixar ver que "o mercado", bem como muitas outras entidades que criamos para nossa própria conveniência, podem ser sacudidas de nossas costas, nos libertando para alguma outra coisa, de preferência mais humana, no bom sentido. Vistas sem muita presunção, nossas criações todas são tentativas mais ou menos tortas de fazer as coisas direito.
Esse texto é fruto de uma pane mental depois de ler e pensar a respeito de textos que envolvem um bom tanto da história de nosso pensamento — filosófico, ocidental. Acabei escrevendo palavras demais num tempo menor que o devido. Revisei uma vez só. Não gostei muito do que vi, mas está à altura de representar minha opinião acerca de Marx e suas idéias. Voltarei a ler. É provável que eu desapareça por um tempo, até terminar de ler e escrever algumas coisas. Mas sem demoras desnecessárias, desta vez.

Fragmentos



As paisagens se modificam...

Ao invés de pétalas ou folhas, temos papéis de bala.

Ao invés de aves marinhas, temos urubus.

Ao invés de siris ou caranguejos na areia das praias, temos ratos.

Em lugar do amor e do equilíbrio, temos ganância e destruição.

E a terra, treme.


segunda-feira, março 01, 2010

Motivos motores

Faz um bom tempo que as questões de utilidade e inutilidade debatem-se em minha cabeça. Começou quando eu tinha treze anos e fui descobrindo, em minhas conversas com meus pais, que uma hora teria que decidir muitas coisas. O que fazer da vida, andar com quem, tornar-me o quê, e assim por diante.
A vida é útil? inútil? nada disso? ambos? alguma outra coisa? Em qualquer caso, se ela é alguma coisa, deveria ser mesmo isso? Conversei com muitos adultos desde então, e li um punhado de livros, e tive um bocado de aulas, freqüentei uns tantos grupos religiosos, céticos, mistos... e descobri a cada vez uma resposta excelente, que confirmava uma velha teoria, nem minha, nem de ninguém: a vida não é pronta, nem fechada. Se fica pronta, é só quando termina e, até lá, seus caminhos estão abertos. A vida acaba se ajeitando com o que fizermos dela.
Algumas pessoas vendem caminhos. Muitas compram. Há muitos caminhos dados de graça e gente que tenta seguir vários ao mesmo tempo. Uma coisa todos os caminhos parecem ter em comum: eles só são mais fáceis ou mais difíceis por comparações superficiais feitas de fora.
Depois que essas conclusões reviraram-se internamente em minha vida com a tão grande e tão comum exigência de utilidade de nosso tempo, acabei observando muitas outras coisas e decidindo alguns dos meus caminhos desde essas observações.
As coisas realmente importantes não se deixam medir pela utilidade. Estão acima dela, na minha opinião. Amor, para começar. Parece que é o que impede as mães de atirarem os filhos pela janela, ou os pais de consumarem um aborto retroativo, se a criação não teve os resultados esperados. Por que outro motivo insistiríamos tanto em tantos caminhos que podem nos desgastar, fazer mal, atrasar? É sempre possível amar bons caminhos, boas pessoas, boas coisas; todas as coisas amadas tendem a parecer boas, apesar de nem sempre serem. Pais, família, amigos, mulheres... depois os filhos, que podem passar a ocupar o primeiro lugar e recomeçar o ciclo. Muitos de nossos caminhos mais importantes são trilhados por causa — talvez por conseqüência — do amor.
A arte — música, literatura, filmes, e assim por diante — já parece começar a misturar amor e utilidade, porque é possível vender arte, produzir arte, viver de arte. Mas o que consideramos melhor no meio de todas essas coisas, costuma teimar e não se deixar medir pela utilidade. Amamos uma boa música porque ela existe, porque a ouvimos, sem que ela precise ser outra coisa que ela mesma. Ainda tenho muitos sonhos em trilhar um caminho que seja da arte, ou que a atravesse em algum ponto, porque considero a melhor alternativa para fazer o que preciso, o que quero, o que gosto. A exigência por utilidade, muito legítima por representar as necessidades inerentes à vida, acaba nos exigindo um tempo e uma dedicação que nem sempre se encaixam com aqueles que a arte exige.
O conhecimento parece misturar amor e utilidade ainda mais. Acabamos sendo convocados a prestar contas para o mundo, a produzir algo com o que sabemos fazer, mesmo quando não gostamos muito de exercer o que aprendemos. Acredito que essas coisas grandes, fundamentais e imprescindíveis — amor, arte, conhecimento — têm uma importância que ultrapassa serventia, utilidade, ou qualquer mera necessidade da vida que não seja o simples fato de viver. Conhecemos, criamos e amamos porque vivemos. Seria bem estranho — senão impossível — conceber a vida sem alguma dessas grandezas fundamentais. Nunca fui contrário a receber um retorno devido por algo produzido, ou a empenhar o conhecimento, a arte e o amor para intensificar e melhorar a vida. Reduzir tudo ao âmbito da mera utilidade é o que considero um grande problema.
O amor é um dos temas centrais de minha vida. A utilidade é aquilo que mais é exigido de mim desde os treze anos. Talvez por isso eu tenha escolhido trilhar um caminho repleto do conhecimento mais inútil — ou mais resistente à medida da utilidade — engendrado pela história humana. É um caminho que, do jeito como estou tentando percorrer, acaba atravessando a arte — e talvez retorne a ela. Quando isso acontecer, espero ter coisas melhores a dizer a respeito da vida, do amor e da arte. Por enquanto, ficam essas incompletas observações que refletem meus pensamentos, que, por sua vez, revolvem-se na tentativa de fazer com que eu viva das coisas que mais amo.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Abortem a realidade!


No meu trabalho tenho contato com algumas situações delicadas. Desde uma pessoa com AIDS, que talvez possa ser um conhecido, até uma criança que nasceu morta ou morreu pouco depois de nascer devido a "mãe" ter tentado aborto.

Comecemos pelo último caso que citei. Uma jovem de 23 anos, estudante, quase certo que seja uma univesitária patrocinada pelos pais que moram no interior ou em outro estado, moradora de um bairro de classe média-alta. Difícil não fazer pré julgamentos, mas espera-se que seja uma pessoa que tenha um pouco mais de conhecimento e nível cultural. Engravidou. Não sei em que momento, tentou aborto com Citotec. A criança nasceu com inúmeras deficiências e complicações, as piores possíveis, e morreu pouco depois. Aqui tem mais informações sobre o Citotec, ou Cytotec.

Não vou entrar mais a fundo na questão do aborto. Meu posicionamento é a favor da descriminalização, mas apenas acompanhada de muita informação. É preciso educar o povo antes de "oferecer" o direito de fazer uma escolha como essa. Enfim, o que penso sobre o caso é que tudo poderia ter sido evitado. Claro que acidentes podem acontecer. Mas, infelizmente, creio que a "mãe" pensou apenas em si mesma a maior parte do tempo. Não excluo também a culpa do "pai".

Vamos aos outros dois casos que me deixaram perplexo: uma criança recém nascida que morreu devido a complicações causadas pela candidíase contraída pela "mãe" durante ou antes da gravidez, que acabou evoluindo para uma infecção que passou para a criança. A infecção matou o bebê. Candidiase é uma doença muito simples de se identificar e tratar. Outra criança recém nascida, acometida por escabiose. Fica até menos impressionante dizer que foi a escabiose que matou a criança. Aos leigos (assim como eu), escabiose é a popular sarna. SARNA!? Pode uma coisa dessas??? Eu nem imaginava que era possível morrer por causa de sarna!!

Contrapondo ao primeiro caso, esses dois últimos ocorreram em áreas de classe (muito) baixa. Sem pré julgamentos aqui também. Isso poderia ter ocorrido em outros níveis da sociedade. Mas o fato é que não ocorreram. O que, provavelmente, colaborou para que ambos os casos acontecessem foi a falta de informação e educação das mais básicas. Não acredito que tenham sido apenas situações de descaso. Me recuso! A verdade é que eram duas mulheres que certamente não tiveram acesso a educação e tampouco aos serviços de saúde, seja por total ignorância e desconhecimento de seus direitos ou pela falta de acesso aos mesmos.

Partindo de todos os casos, poderíamos iniciar discussões que passariam por valores, moral, ética, política, educação, direitos, capitalismo, lucro e nem sei mais o quê. Uma diversidade de fatores podem colaborar para que os três casos ocorram. Mas eu gostaria de destacar valores e educação. Ambos faltaram completamente. Seja a educação que deveria ser garantida pelo Estado a todo cidadão ou os valores que são passados pelos pais, que são parte importante da educação e da formação de cada indivíduo. É muito difícil falar sobre isso sem cometer o erro de ser preconceituoso ou conservador, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Mas talvez eu seja mesmo, admito.

Apenas saber sobre esses três casos me abalou profundamente. E isso porque eu apenas li sobre eles! Não cheguei nem perto nem soube nada de qualquer pessoa envolvida. Estou supondo muita coisa. Mas o mais triste é saber que qualquer suposição, por pior que seja, é sempre muito próxima da realidade. E quando partimos para a realidade, nos deparamos com um sem número de situações iguais ou piores. Chega a ser desesperador.

Eu só consigo pensar em uma pergunta:

Esse é o mundo que estamos criando?



PS: A pergunta é similar ao título de uma música maravilhosa, e triste, do Queen: Is This The World We Created.

Aqui está um vídeo da música tocada ao vivo e com a tradução em português.




Se falhar o vídeo no post, aqui está o link: http://www.youtube.com/watch?v=IorxEFvGZYM

PS2: Sim. Ando meio deprimido. Essas coisas me afetam muito. E olha que pretendo ser Assistente Social...

PS3: Me parece que o governo evita citar o uso do Citotec até mesmo para esclarecer sobre os malefícios causados. Creio eu que seja para não incentivar/popularisar ainda mais o seu uso para o aborto. Não encontrei muita coisa sobre o remédio a não ser diversos sites oferecendo-o ou mulheres querendo saber como consegui-lo. Basta pesquisar no Google. É muito triste...

PS4: Nossa amiga médica (ou os demais também) pode me corrigir se eu tiver falado bobagem em qualquer parte do texto.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Senda do regato esquecido

Certo dia, percebi que precisava ir a algum lugar, mas não conseguia pensar em lugar algum. Este lugar deveria ser calmo, pois de há muito já me cansava o barulho da cidade onde eu morava. Foi quando comecei a raciocinar... e em minha mente eu montei este refúgio.
Uma bela paisagem, de áreas verdes. Uma estrada deserta guardava a porteira para o esconderijo de meus sonhos. De um lado, uma plantação de pimenta-do-reino; do outro, uma cerca cortada por uma estrada de chão, que, por sua vez, era protegida pela tal porteira. Passando pela estrada, eu poderia notar diversas árvores compondo uma mata. À minha direita ficava um pasto, aliás, um belo pasto, com a grama verde aparada pelo gado que ali pastava todos os dias. Mais a diante, depois da mata, uma casa simples e pequena, branca, de detalhes azuis, que ficava de frente para o pasto, como que para vigiá-lo, uma vez que este era ainda maior do que a mata. O silêncio era quebrado apenas pelo canto dos pássaros e por um leve barulho de águas correntes. Fiquei curioso com essas águas e prossegui mais rápido o meu caminho, que me levou ao topo de um morro cercado por pasto. Agora eu estava feliz. Lá de cima, eu podia avistar um córrego grande e de águas límpidas, com peixes de todas as cores e tipos. Várias árvores — em volta do pasto e às margens do regato — davam uma beleza ainda maior para a deslumbrante paisagem.
Uma ponte! Foi uma ponte que eu achei às margens do rio — que agora eu o chamava assim por perceber que ele era maior do que eu imaginava. Atravessei a ponte e segui as águas do rio, que foram parar numa lagoa, com um alto morro de pedra do outro lado e algumas árvores em sua extensão. Mais ao longe, avistei uma morada, um pequeno abrigo de madeira, com telhado de palha.
Finalmente encontrei o meu canto, o meu tão desejado lugar, onde eu poderia fazer o que quiser, sem ninguém para criticar ou reclamar. Para aumentar minha felicidade, nessa cabana eu encontrei alguém. Minha alma gêmea, meu par perfeito. Passei a morar nesse lugar. E lá eu construí minhas coisas, minhas terras, meu amor e minha família.
É uma pena, um grande lamento, que eu estava me enterrando num abismo. No abismo da insanidade... pois este lugar só existia em minha mente. Agora não posso mais sair de lá, porque somente despertaria de meu sonho eterno, se encontrasse um lugar como aquele. Um refúgio perfeito.
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O texto é do século passado, datado do segundo dia de julho do sétimo ano da década de noventa. Coisa antiga. Aconteceu numa prova bimestral de redação, cuja data coincidiu com meu aniversário de quinze anos, e voltou do limbo recentemente, enquanto eu rearrumava mais uma vez meus papéis e coisas antigas. O título original é "Refúgio" — e eu continuo achando melhor o título original, mas não vou questionar os motivos misteriosos que me fizeram, hoje, "lembrar" do atual título, enquanto procurava o texto para digitar e publicar. Modifiquei o menor número possível de palavras, acentos e sinais de pontuação. Lembrei bem do que pretendia com o escrito — e por isso me senti no direito de fazer tais alterações, que são mais de adequação à proposta do que de adequação às normas. Eu pretendia transmitir uma experiência que dependesse do mínimo possível de fatores — dentre nomes, identidades, gêneros, posições sociais, contextos, e assim por diante. Planejava, já faz algum tempo, postar isso tudo aqui no blog. Engraçado ter algumas semelhanças estruturais com o conto do Lannart — principalmente o tema da insanidade e a ausência de nomes próprios, detalhes que já vinha sempre revendo em diversas obras (como exemplos, o filme Clube da Luta, com um protagonista sem nome e altas doses de insanidade; e o conto O sósia, de Dostoiévski, em que o nome é só mais um sinal da perda de individuação) todas elas intimamente relacionadas com a vida na cidade (no espaço e no tempo da cidade, grande, abafada, barulhenta e estranha, de qualquer lugar e época).
Por hoje é só.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Insignificância

Era um dia como outro qualquer. Um dia comum e ordinário de uma vida ainda mais insignificante, em um mundo muito menos importante. Mais um dia vivendo numa sociedade muito pouco preocupada com o futuro e completamente vidrada nas futilidades e na vida alheia. Nosso homem ia vivendo em meio a tudo isso. Tudo que era quase nada. Quem se importava? Nosso homem se importava. Mas quem se importava com ele, que era um entre tantos anônimos por esse mundão afora?


Como tantos outros anônimos, nosso homem trabalhava duro. Sempre ouviu dizer que com empenho e bastante estudo seu sucesso seria garantido. E foi o que ele fez. Pós graduações, MBAs, mestrado e um doutorado em andamento na área de engenharia. Claro. A engenharia é o futuro. Sempre havia acreditado que eram as pessoas, mas agora sabia que não. Pós doutores disseram isso pra ele. Só não disseram que essa história de sucesso era apenas um conto da carochinha. Mas eles tinham um bom motivo. Nunca tiveram esse sucesso. E nem reclamavam disso. Porque que mais um haveria de se preocupar ou ficar chateado? Ele aprenderia. A vida ensina. A não ser engenharia.


Até que o salário não era de se reclamar. Difícil era ter que aturar as cobranças da chefia exigindo produção. O problema era que, estar confinado dentro de uma sala com pranchetas, réguas, compassos e computadores não proporcionava um clima que combinasse com "quebra de recordes". De mais a mais... Quem dá valor a uma pilha grande de papéis? As pessoas querem edifícios, shoppings, carros, pontes e tudo o mais! Quem se importa com papéis mesmo que sejam formato A3? Os livros que já foram símbolo de conhecimento, hoje, nem mesmo com as belíssimas capas com desenhos 3D e iluminuras no início de cada capítulo seduzem as pessoas à leitura. Nosso homem era considerado praticamente uma aberração por gostar tanto de livros.


E nosso homem gostava muito mesmo de livros. Lia o tempo todo e em todo lugar onde fosse possível. Andava de ônibus sempre com um livro na mão e os fones no ouvido numa tentativa de não ser interrompido. Mas as pessoas sempre interrompiam. Pregadores fervorosos vomitavam palavras de nosso senhor, vendedores de bala prometiam um hálito refrescante, drogados, doentes e bandidos pediam uma ajuda e... SEMPRE! Sempre havia alguém para conversar sobre o mau tempo ou sobre aquele político safado que roubava seu dinheiro e nunca fazia nada. O livro na mão e o fone no ouvido o tornavam o cara mais atraente e interessante para se ter uma conversa dentro do transporte coletivo. As pessoas não conseguiam resistir e mesmo sendo completamente ignoradas, continuavam.


A vida nos livros era sempre muito melhor. Mundos fantásticos, magia, telepatia, guerras épicas e conquistas gloriosas! E o mundo...? O mundo de verdade estava muito doente. Mesmo pessoas que se empenharam bastante e estudaram mais ainda passavam fome ou viviam da renda de sub-empregos. Grandes milionários brincavam com a economia sabendo que se perdessem, seriam socorridos pelos cofres do Estado, enquanto trabalhadores teriam seus salários reduzidos a metade. A violência nas ruas aumentava a cada dia, a cada hora! Ninguém conseguia entender que se um mundo maravilhoso é prometido e na verdade resta apenas decepção e miséria para os menos privilegiados, isso se converte em ódio, revolta e em desejo por vingança. Assaltos, sequestros, assassinatos, golpes, estupro, corrupção, terrorismo... GUERRA! Guerra por dinheiro! Guerra religiosa! Guerra motivada por preconceitos e arrogância! Guerra apenas pela guerra e desejo de morte...


A vida andava mesmo muito ruim e o mundo cada vez mais destruido. Apenas se você fosse um dos que se beneficiavam com toda a miséria e destruição ou fosse completamente insensível ou cego para tudo isso é que não se sentiria mau. Nosso homem se sentia muito mau. Era impossível estar indiferente ao que acontecia em seu redor. Mas a apatia... a apatia diante de toda essa desgraça era o que mais o incomodava. Isso o tirava do sério.

De repente, o surto.

Imagine algo como acontece em "Um dia de fúria" com proporções "titanicticas" e os exageros de Tarantino. Foi um pouco pior do que isso. Toda pessoa que aparecia comentando sobre o novo Big Brother era derrubada com um jab direto cruzado bem no queixo. Nosso homem fazia questão de acordar sua (dela própria) vítima antes de iniciar o "processo de verificação de humanidade". Ele próprio criou esse termo depois de descobrir que algumas pessoas não eram, na verdade, pessoas. Elas eram como zumbis só que sem o lance das feridas e pedaços de carne podre caindo pelo chão. Ao invés de "Mióoolos..." elas gruniam "Compráaar..." ou "TV... telefone... minha cáaaasaaa...". O processo consistia em abrir o peito da pessoa com uma moto-serra para tentar localizar o coração.


Mas, mesmo possuindo um coração, ainda poderia não ser uma pessoa de verdade. Corações se corrompem. Há quem diga que já nascem abarrotados de mals sentimentos. Feito isso, abria-se também a cabeça para verificar se ali havia um cérebro de verdade. Se no lugar do cérebro houvesse um Big Mac... Bingo! Não era uma pessoa de verdade. Diante dessa confirmação nosso homem decaptava o "zumbi" com uma katana. Claro. Uma katana. É muito mais classudo.



Muito tempo se passou...

Certa vez, nosso homem teve certeza de que encontrou uma pessoa de verdade. Parecia um coração de verdade. Mas antes de chegar ao cérebro e ter a certeza de que era mesmo, a pessoa já havia desencarnado. Um tanto desconcertado, e envergonhado, acabou deixando o cérebro intacto e a cabeça no lugar. Dessa vez não pôde cumprir o figurino e colocar sua katana para cantar.

Até que tentou fazer um enterro digno. Ele queria de verdade. Mas sequer lembrava de como poderia fazê-lo. Resolveu queimar o corpo. Enquanto assistia, pareceu ver algo, um vulto de uma pessoa sorrindo e se despedindo antes de se dispersar em direção aos céus.

Nosso homem seguiu seu caminho. Tinha uma pequena, mas bem pequena mesmo, e nova esperança de conseguir encontrar e identificar uma pessoa de verdade antes de ter que abri-la. Ele sabia que seria difícil.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

A Inútil Filosofia: Do Ünbermensch de Nietzsche ao Homem Ideal de Ayn Rand na Arte Contemporânea



O fato é que meu nome sempre esteve entre os colaboradores do blog mesmo nunca tendo colaborado com uma linha sequer na construção de seu conteúdo. Não me defenderei com explicações e justificativas que legitimem minha postura. Muito pelo contrário, tentarei, a partir de agora, colaborar com o blog. Nunca tive uma “vida” virtual muito ativa, portanto, nunca soube o que escrever em um blog, ou qualquer meio virtual de acesso público. Então, aproveitarei o fato de que fui, sou, e serei sempre um “rato” de biblioteca e postarei alguns devaneios obtidos em minhas jornadas repletas de ratoeiras e ácaros de livros antigos que me provocam os incontroláveis ataques de espirros que vocês bem conhecem. Vamos ver quem consegue terminar as chatas e delongadas linhas de meu escrito.


O tema deste post se baseará no Homem. Mas não no Homem como ele é, mas o Homem como deveria ser segundo duas linhas de pensamento. Para tal, vamos viajar um pouco nas idéias de dois autores completamente distintos. O primeiro, Friedrich Nietzsche (1844-1900), hoje, praticamente um ícone pop, citado à exaustão por aqueles que pensam compreender sua obra (eu, particularmente, compreendo pequenas fagulhas e acho que cada parágrafo é conteúdo para horas de debate). O segundo, ou melhor, a segunda, é a filósofa russa naturalizada americana, Ayn Rand, cuja popularidade é pequena, senão, nula em Terra Brasilis, portanto, vou apresentá-la e sintetizar a essência de sua filosofia. O que ambos com certeza possuem em comum é que suas filosofias não são para os “FRACOS” (risos).


Lembro-me, de ainda adolescente, me deparar com uma versão tosca e barata de “Assim Falou Zaratustra” de Friedrich Nietzsche. Quem, ainda jovem, ao ler tal obra não teve a imaginação incendiada com suas idéias revolucionárias? Ao me deparar com os conceitos de vontade de potência, eterno retorno e transmutação dos valores, tive a sensação de estar diante de uma nova visão de mundo, para não dizer a vontade e desejo de personificar tais conceitos. Mas, dentro de todos os conceitos apresentados por Nietzsche em Zaratustra, o que mais me chamou atenção, e acredito que o que mais chama atenção de qualquer um que tenha lido a obra, é a apresentação de seu Ünbermensch, que no português foi traduzido como “super-homem” — não há tradução universalmente aceita da palavra Übermensch, alguns teóricos preferem o termo “sobre-homem”, outros empregam “sobre-pessoa” assim como “sobre-humano”, utilizarei o termo em alemão Übermenschm, já que Nietzsche usa a palavra como termo técnico. Deparei-me com a filosofia de Nietzsche novamente, desta vez com a maturidade mais acentuada, no intuito de fundamentar um trabalho acadêmico de publicidade (sim, eu utilizo a filosofia como alicerce na criação publicitária) e algum tempo depois, ao saber que sou um fã e estudioso de Watchmen (HQ concebida por Alan Moore e Dave Gibbons) fui presenteado por minha apessoada com um livro que trata de Watchmen e a Filosofia, e um capítulo trata exatamente do Ünbermensch em Watchmen (chegarei neste ponto mais adiante).


Em “Assim falou Zaratustra”, um tipo de profeta e uma das vozes de Nietzsche (o livro possuí uma linguagem que se aproxima da literatura, carregado de um apelo poético, Nietzsche se utiliza de várias vozes para expressar suas idéias, mas isso é um debate para outra ocasião, pois envolve não só o processo pelo qual o autor concebeu suas idéias, mas também limitações de caráter físico) descreve o Ünbermensch em termos heróicos:


Eu vos anuncio o Super-homem.

O homem é superável. Que fizeste para supera-lo?

O super-homem é o sentido da Terra.

Vede: eu sou um anúncio do relâmpago e uma pesada

Gota procedente da nuvem: mas esse relâmpago é chamado Super-homem.


No entanto, uma incógnita percorre a obra. Afinal, em momento algum Zaratustra define diretamente o que a palavra Ünbermensch significa, tampouco descreve como deveria se parecer um Ünbermensch. Alguns especulam que Nietzsche se refere aos grandes homens da História, como Napoleão. Outros vêem o Ünbermensch como qualquer um que tenha superado o que Nietzsche chama de “moral de escravo”, de culpa e ressentimento, o que de fato mais se aproxima com a idéia do autor (Bogodes, com certeza sabe muito mais sobre o assunto do que eu). Para ficar mais clara a idéia de superação da moral de escravo, culpa e ressentimento:


A conquista da super-humanidade, ou da liberação do homem exigiria segundo o pensador um combate feroz contra a antiga moralidade escravocrata que aprisiona o ser humano. O primeiro inimigo seria a moral socrática que reduz tudo sob os pés da razão. Depois disso se deveria exterminar a moral cristã, a moral do escravo, que vale de supostas recompensas em um mundo inexistente, valoriza a debilidade e por meio da exaltação de tudo o que é fraco e doente nega a vida à vontade de potencia. O Cristianismo herança e aprimoramento da deturpada moral judaica condena os instintos naturais do homem como sendo erro e tentação. E sendo os instintos a manifestação da vida, essa negação da moral cristã seria um apoio à destruição da própria vida, ao ódio pelo próprio corpo e, portanto ao ódio de si mesmo e conseqüentemente ao ódio ao restante do mundo e finalmente ao próximo. Tudo é claro sem abandonar as vestimentas de suposta santidade.


Mas vamos guardar essa idéia da superação da “moral do escravo” e de culpa e ressentimento para mais adiante.


Enfim, vamos logo ao que cerne grande parte da filosofia de Nietzsche, ou seja, sua famosa afirmação “Deus está morto.” para tentar compreender a concepção de seu Ünbermensch. Não sejamos ingênuos ao buscar compreender tal afirmação, Nietzsche não quis dizer que houve um Deus que esteve vivo e que agora está morto. Na realidade, o que tinha morrido era o poder da crença em Deus, assim como a sustentação de uma ordem moral. Conforme a ciência explica mais e mais do mundo natural, resta cada vez menos espaço para Deus, ao menos ao Deus pessoal, compassivo, que se interessa pelas questões da humanidade (sejamos honestos, essa idéia não é tão atraente quanto outrora). A morte de Deus deixa um vácuo no reino da moralidade e dos valores: não temos mais uma fonte de moral objetiva ou de ordem e de propósito no mundo. Esse vácuo, uma visão de que a vida é essencialmente sem sentido é chamado de niilismo. Ok, pode parecer complicado de entender, e sim, isso tudo pode nos arrepiar os cabelos da nuca. Vejamos um exemplo dessa visão de mundo através de Rorschach, personagem de Watchmen (cap. VI p. 26):


Olhei para o céu através da fumaça cheia de gordura humana e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante prossegue eternamente, e nós estamos sós. Vivemos nossas vidas, por não termos nada melhor para fazer. Inventamos uma razão depois. Nascemos do esquecimento, criamos crianças tão condenadas ao inferno como nós. Voltamos ao esquecimento. Não há mais nada. A existência é aleatória. Não tem nenhum padrão, salvo aquele que imaginamos depois de encará-la por muito tempo. Nenhum significado, salvo o que escolhemos impor. Este mundo sem leme não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus quem mata as crianças. Não é a sina que as esquarteja ou o destino que as dá de comer aos cães. Somos nós. Apenas nós.

Assim, o Ünbermensch é aquele que, além de superar a “moral do escravo” e da culpa e ressentimento, é capaz de olhar sem medo para o abismo da ausência de sentido, e não só confronta o vazio moral de frente, com o chega a afirmá-lo. Tal confronto se justifica ao final do processo com a criação de novos valores (Nietzsche utiliza a parábola das “Três Metamorfoses”. O camelo representa a aceitação dos valores em voga. O leão representa o niilismo, o rompimento com os valores. E a criança representa a criação de novos valores). Mas não seja precipitado ao achar que Rorschach representa o Ünbermensch em Watchmen apenas por confrontar sem medo a ausência de sentido. Muito pelo contrário, Rorschach sequer se aproxima do Super-homem de Nietzsche, e fique pasmo, em Watchmen o que mais se aproxima de tal ideal é justamente o “vilão” Ozymandias (para saber mais aconselho a interessantíssima leitura de “Watchmen e a Filosofia: Um Teste de Rorschach, editora Madras).


Toscamente essa é a visão da superação do homem de Nietzsche: o Ünbermensch.


Partimos agora para o homem ideal concebido por Ayn Rand. Primeiramente, Ayn Rand é uma das pessoas mais influentes do Século 21. Mesmo tendo morrido em 1982. Rand criou um sistema filosófico que batizou de Objetivismo. É pró-feminismo, antiracista, antiautoritário e anti-religião. Também é baseado no individualismo extremo (ela escreveu um livro chamado “A Virtude do Egoísmo”) e no capitalismo laissez-faire, com supervisão mínima ou nenhuma do estado. Talvez o último aspecto citado tenha sido o maior alvo das críticas destinadas à autora. No entanto, Rand não era uma defensora entusiasta do capitalismo, e sim do individualismo e egoísmo. Mas não sejam “bobos” ao interpretarem egoísmo ou individualismo de forma errada. Primeiramente, ambas as palavras foram usurpadas e deturpadas pelas instituições sociais no decorrer dos séculos, agregando em ambas um forte tom pejorativo, a verdade é que ambas as palavras não possuem juízo de valor em sua origem etimológica. As obras da autora baseiam-se na projeção de um homem ideal. Para Rand, o herói é aquele cujo fim está em si mesmo (é isso mesmo Bogodes, como você com certeza percebeu, essa premissa é um dos imperativos de Kant, imperativo prático, para ser mais exato.). As principais obras filosóficas de Rand foram escritas em forma de romance: “A Nascente” (The Fountainhead) e “Quem Matou John Galt” (Atlas Shrugged). A meu ver, o grande diferencial da autora é contextualizar sua filosofia em histórias que valem a pena serem lidas, não só pela maestria de sua técnica enquanto romancista, como pela vivacidade que emprega em suas personagens. Ou seja, mesmo que você possa não concordar com grande parte de sua filosofia, ler Ayn Rand é, sobretudo, uma ótima experiência literária.

Vamos tentar entender o homem ideal segundo Ayn Rand. Sua filosofia é construída através de antíteses, tais como: individualismo x coletivismo, egoísmo x altruísmo. Através destes conflitos, Rand, ao contrário de Nietzsche, concebe claramente o que o homem deveria ser. Nesse aspecto, o coletivismo para a autora é força que mina a grandeza, liberdade e superação do Homem, é a rédea que mantém o Homem desprovido de sua razão. Ok, posso estar parecendo meio vago, senão totalmente. Portanto acho que se faz necessária uma citação direta da obra da autora. O trecho escolhido foi extraído da obra “A Nascente”, e é um discurso de um “vilão” que prega o coletivismo, e que usa do mesmo para a obtenção do poder. A obra é de 1943, no entanto, como toda grande obra, possui certo caráter atemporal. Vejamos como a autora vislumbra a questão da dominação e como o Homem ideal está além de tais aspirações, e assim como a questão do niilismo em Nietzsche, é arrepiante:


“- O prazer não é o meu destino. Eu encontrarei a satisfação que a minha capacidade permite. Eu dominarei.

- A quê...?

- Você. O mundo. É só uma questão de descobrir a alavanca. Se aprender a dominar a alma de um único homem, você consegue pegar o resto da humanidade. É a alma, Peter, a alma. Não chicotes, nem espadas, nem fogo, nem armas. Foi por isso que os Césares, os Átilas, os Napoleões foram tolos e não duraram. Nós duraremos. A alma, Peter, é aquilo que não pode ser dominado. Tem que ser destruída. Enfie um calço nela, agarre-a com seus dedos, e o homem lhe pertence. Você não precisará de um chicote — ele o trará até você e lhe pedirá que o açoite. Reverta a meta dele — e o próprio mecanismo dele fará o seu trabalho para você. Use-o contra si mesmo. Quer saber como se faz? Veja se alguma vez eu menti para você. Veja se não ouviu tudo isso durante anos, mas você não queria ouvir, e a culpa é sua, não minha. Há muitas maneiras. Aqui vai uma: Faça o homem se sentir insignificante. Faça-o se sentir culpado. Mate suas aspirações e sua integridade. Isso é difícil. Mesmo o pior entre vocês procura, tateando no escuro, um ideal, do seu próprio jeito distorcido. Mate a integridade através da corrupção interna. Use-a contra si mesma. Direcione-a para um objetivo que destrua toda a sua integridade. Pregue a abnegação. Diga ao homem que ele deve viver para os outros. Diga aos homens que o altruísmo é o ideal. Nem um único deles jamais o alcançou e nem um único jamais alcançará. Cada um de seus instintos vivos grita contra ele. Mas você não vê o que realiza? O homem percebe que é incapaz de atingir o que aceitou ser a virtude mais nobre, e isso lhe dá um senso de culpa, de pecado, de sua fundamental falta de valor. Uma vez que o ideal supremo está além do seu alcance, ele acaba abrindo mão de todos os ideais, de todas as aspirações, de todo senso de seu valor pessoal. Ele se sente forçado a pregar o que não pode fazer. Mas uma pessoa não pode ser boa pela metade ou aproximadamente honesta. Preservar a própria integridade é uma batalha dura. Por que preservar aquilo que a pessoa já sabe que está corrompido? Sua alma abre mão do respeito próprio. Você o tem. Ele obedecerá. Ficará contente em obedecer, porque não pode confiar em si mesmo, sente-se inseguro, sente-se impuro. Essa é uma maneira. Aqui vai outra. Mate o senso de valores do homem. Mate a sua capacidade de reconhecer a grandeza ou de atingi-la. Grandes homens não podem ser dominados. Não queremos nenhum grande homem. Não negue o conceito de grandeza. Destrua-o por dentro. O grande é o raro, o difícil, o excepcional. Estabeleça padrões de realização abertos a todos, aos piores, aos mais inaptos, e você paralisa o ímpeto de esforço em todos os homens, grandes ou pequenos. Você paralisa todo o incentivo ao progresso, à excelência, à perfeição. Ria de Roark e defenda Peter Keating como um grande arquiteto. Você destruiu a arquitetura. Avance a carreira de Lois Cook, e você destruiu a literatura. Aclame Ike e você destruiu o teatro. Glorifique Lancelot Clokey, e você destruiu a imprensa. Não saia por aí tentando arrasar todos os santuários — você assustará os homens. Venere a mediocridade, e os santuários estarão arrasados. E há outra maneira. Mate através do riso. O riso é um instrumento de alegria humana. Aprenda a usá-lo como uma arma destruidora. Transforme-o em um riso de menosprezo. È simples. Diga-lhes para rirem de tudo. Diga-lhes que um senso de humor é uma virtude ilimitada. Não deixe que nada permaneça sagrado na alma do homem, e a sua própria alma não será sagrada para ele. Mate a veneração e você terá matado o herói no homem. Não se venera com risadinhas. Ele obedecerá e não imporá nenhum limite à sua obediência — vale tudo — nada é sério demais. Aqui vai outra maneira. Isto é extremamente importante. Não permita que os homens sejam felizes. A felicidade é independente e auto-suficiente. Homens felizes não têm tempo nem utilidade para você. Homens felizes são homens livres. Portanto, mate a alegria deles de viver. Tire deles o que quer que seja precioso para eles. Nunca deixe que tenham o que querem. Faça com que sintam que o mero fato de um desejo pessoal é maligno. Leve-os a um estado em que dizer “Eu quero” não é mais um direito natural, mas uma confissão vergonhosa. O altruísmo é de grande ajuda nesse caso. Os homens infelizes virão até você. Precisarão de você. Virão buscando consolo, apoio, fuga. A natureza não permite nenhum vácuo. Esvazie a alma do homem, e o espaço será seu para preencher. Não sei por que você deveria parecer tão chocado, Peter. Está é a mais velha de todas. Olhe para a História. Examine qualquer grande sistema de ética, do Oriente em diante. Todos eles não pregam o sacrifício da alegria pessoal? Sob todas as complexidades do palavreado, todos eles não tiveram os mesmos temas recorrentes: o sacrifício, a renúncia, a abnegação? Você não conseguiu pegar o tema musical deles? ‘Sacrifício, sacrifício, sacrifício, sacrifício. ’ Veja a atmosfera moral da atualidade. Tudo o que dá prazer, incluindo cigarros, sexo, ambição e motivação pelo lucro, é considerado depravado ou pecaminoso. Basta provar que uma coisa torna os homens felizes, e você a amaldiçoou. Foi a esse ponto que chegamos. Amarramos a felicidade à culpa. E pegamos a felicidade pelo pescoço. Atire seu primogênito em uma pira sacrificial, deite-se em uma cama de pregos, vá para o deserto para mortificar a carne, não dance, não vá ao cinema aos domingos, não tente enriquecer, não fume, não beba. São todos a mesma fala. A grande fala. Os tolos acham que tabus dessa natureza são apenas absurdos. Um resquício, antiquado. Mas sempre existe um propósito no absurdo. Não se incomode em analisar uma idiotice, pergunte-se apenas que conseqüências ela causa. Todos os sistemas éticos que pregaram sacrifício transformaram-se em potências mundiais e dominaram milhões de homens. Claro, é preciso usar camuflagem. Você tem de dizer às pessoas que elas conquistarão um tipo superior de felicidade ao abrir mão de tudo que as faz felizes. Não é preciso ser claro demais. Use palavras imponentes e vagas. ‘Harmonia Universal’, ‘Espírito Eterno’, ‘Propósito Divino’, ‘Nirvana’, ‘Paraíso’, ‘Supremacia Racial’, ‘A Ditadura do Proletariado’. Corrupção interna, Peter. Essa é a mais velha de todas. A farsa prossegue há séculos e os homens ainda se deixam levar. Contudo, o teste deveria ser tão simples: apenas escute qualquer profeta e, se o ouvir falar de sacrifício, saia correndo. Corra mais rápido do que se estivesse fugindo de uma peste. Se usarmos a razão, fica claro que onde há sacrifício, há alguém coletando as oferendas sacrificiais. Onde há serviço, há alguém sendo servido. O homem que lhe fala de sacrifício, fala de escravos e donos. E tem a intenção de ser dono. Mas, se ouvir um homem lhe dizer que você deve ser feliz, que é o seu direito natural, que seu primeiro dever é consigo mesmo, este homem não quer a sua alma. É o homem que não tem nada a ganhar de você. Mas se ele aparecesse, as pessoas gritariam até estourarem suas cabeças vazias, urrando que ele é um monstro egoísta. Portanto, o esquema está seguro por muitos e muitos séculos. Mas aqui você pode ter notado uma coisa. Eu disse: ‘Se usarmos a razão’. Você percebe? Os homens têm uma arma contra você. A razão. Portanto, você precisa certificar-se completamente de que a tirará deles. Corte os alicerces que a sustentam. Mas tenha cuidado. Não a negue completamente. Nunca negue nada completamente, ou você mostra seu jogo. Não diga que a razão é maligna — embora alguns tenham até chegado a fazer isso, e com sucesso surpreendente. Apensa diga que a razão é limitada. Que há algo acima dela. O quê? Não precisa ser muito claro a respeito disso, tampouco. O campo é inesgotável. ‘Instinto’, ‘Sentimento’, ‘Revelação’, ‘Intuição Divina’, ‘Materialismo Dialético’. Se for pego em algum ponto crucial e alguém lhe disser que a sua doutrina não faz sentido, você estará preparado. Você responde que há algo acima do fazer sentido. Que, nessa questão, ela não deve tentar pensar, deve sentir. Deve acreditar. Faça com que parem de usar a razão, e você pode jogar como se tivesse todos os coringas: qualquer coisa vale, de qualquer maneira que você desejar, quando desejar. Você os tem na mão. Dá para dominar um homem que pensa? Não queremos nenhum homem que pensa.”.


Fica absolutamente claro nesta citação que o homem ideal para Rand é aquele que não se permite levar por todas as armadilhas construídas por homens que se alimentam de homens. Neste aspecto, o homem ideal é aquele que não abandona sua razão. Ah, já conseguimos observar pontos divergentes da visão do homem ideal de Rand e Nietzsche. A primeira defende a razão, completamente. O segundo, não só a nega como a coloca como um obstáculo que deve ser ultrapassado. A primeira uma racionalista em absoluto, o que deixa clara a grande influência de Emmanuel Kant. O segundo, um irracional, cuja metafísica consiste de um universo quase que “byroniano” e misticamente malévolo, onde sua epistemologia subordina a razão à “vontade” ou ao sentimento, ou as virtudes de caráter inatas. No caso de Nietzsche percebem-se as influências de Schopenhauer e Dostoievski. Mas podemos colocar alguns pontos em comum. Lembram-se da superação da “moral do escravo”, culpa e ressentimento atribuídos à obra de Nietzsche? Pois é, mesmo sendo tão divergentes, os autores concordam nesse aspecto. Na citação de “A Nascente” fica clara a influência da “culpa” na vida do homem (a “culpa” como um instrumento de dominação, alienação), assim como a “moral de escravo” de Nietzsche também se faz presente no discurso, e ambos possuem quase que a mesma concepção quanto ao fator “religião”. Claro que Nietzsche é um crítico mais fervoroso neste sentido.


OK. Não seria justo colocar o ideal de homem, segundo Ayn Rand, através do discurso de seu antagonista. E como eu disse que Rand, ao contrário de Nietzsche, deixa claro sua concepção de Homem, vamos colocar as atribuições do tal sujeito, ou melhor, “O Cara” (risos). E olha que legal, a obra “A Nascente” virou filme nos 1950 e foi co-dirigido pela própria Ayn Rand, que além de filósofa era dramaturga (escreveu várias peças de teatro) e roteirista de cinema. Portanto segue um trecho do filme. Não estou contextualizando essas citações, o que seria importante por tratar-se de um romance, mas acho que mesmo não contextualizando fica claro o discurso da autora. A obra possui quase mil páginas, portanto ficaria complicado contextualizar em poucas linhas.

Ufa...para os que conseguiram acompanhar até aqui (será que teve alguém? Hahahaha), ficou evidente como se dá a construção do Übermensch de Nietzsche e do Homem ideal segundo Rand, assim como suas divergências e peculiaridades em comum. Claro, isso tudo numa visão bem superficial.

Afinal, o que eu quis dizer com tudo isso? Vamos chegar neste ponto exatamente agora, tenham paciência (risos).


Lembro-me das descontraídas discussões com o nosso amigo Bigodelhos quanto a validade da filosofia na vida das pessoas. As discussões sempre terminavam em tom de zombaria afirmando a inutilidade da filosofia, o que levava nosso amigo “loser” a concordar por não mais agüentar tamanha zombaria com sua paixão (e sim, eu era um zuador afinco de nosso nobre amigo, mas não se preocupem, eu continuarei sendo). Mas, alguns anos depois, assim como algumas dezenas de livros lidos depois, venho, não só me manifestar a favor da filosofia, como a cultuá-la como o combustível primordial na criação de grandes obras da cultura contemporânea. Claro que podemos fazer uma análise filosófica de qualquer obra (independente do meio, cinema, literatura, HQ, artes plásticas, música, etc.) e transportá-la para linha que pretendemos estudar. Tal passividade está além do propósito do autor. Mas o que quero dizer, é que a filosofia é utilizada conscientemente pelo autor na concepção de sua obra, ou seja, não há coincidências, está ali pelo simples fato do autor lhe dar propósito. Este extenso texto sobre o Homem, o primeiro quase um desafio de seu autor, o segundo, o homem tal qual deveria ser, teve o intuito de demonstrar a essência da filosofia de seus autores, para só assim relacionar a influência de suas filosofias na arte contemporânea.


Por exemplo, os conceitos da filosofia de Nietzsche podem ser encontrados em duas das maiores obras do meio artístico-cultural do século XX em suas respectivas linguagens. Primeiro “2001: Odisséia no Espaço”, filme de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, considerado o melhor filme de ficção científica de todos os tempos. A filosofia de Nietzsche não só está presente, como faz parte da subtrama do filme, até a parábola das “Três metamorfoses” está presente no filme. A segunda, como já citei anteriormente, é “Watchmen”, grafic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. A grafic novel personifica não só vários aspectos da filosofia de Nietsche, como o niilismo nietzchiano e o próprio Ünbermensch, como também dialoga com as filosofias de Kant, Hume, Hegel, Weber, Eco, Bérgson, etc. E vai por mim, o barbudinho, assim como Kubrick e Clarke, sabiam muito bem o que estavam fazendo, portanto, antes que você cogite a possibilidade eu já afirmo, não, não foi coincidência. E olha que coisa legal que descobri conversando com um amigo mestrando em estudos literários, a filosofia de Nietzsche pode ser vastamente encontrada nas obras de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores ícones da literatura brasileira.



“Ah, mas Nietzsche é bastante popular, e não me espanta ter sido usado como referência fora do âmbito acadêmico” você deve estar pensando. Ayn Rand não fica muito atrás. Por exemplo, as HQs Sin City e 300 de Frank Miller são praticamente tributos a obra de Rand, assim como “2112”, um dos mais conceituados álbuns do grupo canadense Rush, um dos maiores nomes do rock progressivo mundial. E não pára por aí, Steve Ditko, co-criador do Homem Aranha, é um entusiasta da obra de Rand, sendo seu trabalho com o personagem Questão uma síntese da filosofia randiana. (para saber mais ler artigo “Os Objetivos do Senhor Ditko: http://guedes-manifesto.blogspot.com/2008/12/os-objetivos-do-senhor-ditko.html ) Pra terminar, a filosofia de Ayn Rand influenciou Mark Cuban e Jimmy Wales a criarem o site Wikipedia.



Por fim, tanto a filosofia de Nietzsche quanto de Rand foram utilizadas na concepção de obras e personagens que encontram-se incrustados em nosso imaginário. Nesta óptica, a filosofia foi matéria-prima essencial na concepção de obras artísticas cultuadas da cultura contemporânea. “Inútil filosofia”? Pobres daqueles que ainda lhe vêem associada com adjetivo tão disparato.


Então é isso. Sempre reclamei de posts demasiados longos, mas como nunca contribui com o site, esta foi minha colaboração para compensar os anos de ausência (risos). Se você conseguiu ler até o final, espero que tenha gostado e que tenha tirado algum proveito, nem que seja apenas no ato reflexivo. Talvez futuramente eu venha postar algumas coisas que venho estudando, como: “Baudrillard: A Hiper-Realidade e o Simulacro Hollywoodiano” ou “Identidade: A Ontologia do Consumo”. É isso meus amigos (as), um abraço e nos esbarramos nos botecos da vida.

Dialética do Cotidiano

É engraçado ver e ouvir as desculpas que as pessoas arrumam para encobrir os próprios erros e defeitos. Chegam a mentir para si mesmas. Digamos que essa atitude complemente e se encaixe como uma luva a atitude da "síndrome da culpa no outro".

Aliás... a vida do ser humano e o seu comportamento se dá bastante em função de culpas. Ou você coloca a culpa em alguém, sem remorsos ou escrúpulos, visando apenas o benefício próprio , ou fica remoendo a culpa e lamentando sobre os problemas da vida e por tudo que fazem com você.

- A felicidade está logo ali virando a esquina.

- Que pena o mundo ser redondo!


Desliguem o detector de arrogância, por favor. Ou irão achar que ele não está funcionando muito bem ou me deixarão constrangido dizendo que ele apitou bem alto.

Só assumo culpa quanto a ficar me lamentando sobre a vida. Mas quanto a isso, passo por muitos altos e baixos. São altos bastante altos e baixos razoavelmente baixos. Então acho que estou no lucro! Quanto a culpa, pura e simples, encaro-a com naturalidade. Sinto que consigo me isolar de uma situação, mesmo que eu esteja envolvido e/ou até mesmo errado, e analisá-la com sabedoria. O problema é que além de serem poucas as pessoas que conseguem ser imparciais, elas também não acreditam que alguém o possa.

E daí surgem os desentendimentos "diversus infinitus continuum complicadus". É aquela disputa de egos e personalidades. Opiniões e gênios fortes se chocam. Moral, índole, ética, valores... Surge um arcabouço de palavras e conceitos que não se explicam sozinhos.

... e as pessoas não conversam. Não discutem aquela boa e saudável discussão. Para a grande maioria, discutir é brigar. Se não realizamos esse exercício que deveria ser diário, não conhecemos as diferenças do outro. Dessa forma, não podemos sequer estabelecer nossos próprios limites.

Lamentável.


Viva a dialética nossa de cada dia.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Nada de novo de novo


Em minhas garimpagens pela net, vou esbarrando com um monte de coisas legais, engraçadas, geniais, inteligentes, tudo isso junto ou apenas coisas completamente inúteis. Tenho orgulho de dizer que sou um bom garimpeiro. Navego em sites e blogs de diversas línguas, que, a exceção do inglês, não entendo picas. Mas como a internet (e tudo nesse mundo moderno) tem se tornado cada vez mais visual e menos textual, não faz muita diferença. Qualquer coisa, a ferramenta de idiomas do Google taí pra ajudar!

Enfim, nessas andanças virtuais, costumo ver coisas muito legais em blogs russos. Cerca de uma semana depois ou pouco menos que isso, me deparo com as mesmas coisas postadas traduzidas nos blogs brasileiros. Com algumas raras exceções, tudo que rola nos blogs brasileiros e chupinhado dos blogs russos. Nada se cria, tudo se copia. Tudo bem em linkar um post. Já copiar é ridículo. E não citam nem o autor e/ou fonte, pra piorar.


Guerra dos clones!

Até aí, tá quase tudo bem. O problema é quando os blogs brazucas começam a copiar uns aos outros. Caramba! Ultimamente não têm se esperado nem ao menos uma semana! Postam a mesma coisa quase que massivamente e ao mesmo tempo. Vamos ao exemplo que motivou esse post:


Só pra constar. Isso é véio pra caramba! Nem me lembro quando foi que me deparei com isso na internet, mas sei que tem muito tempo. É bem legal e tal. Mas tudo que é demais cansa.

Sei que não é possível acompanhar todos os blogs para poder saber se esse ou aquele já postaram algo que você encontrou. Mas do jeito que as coisas estão, não tem nem desculpa. É muito post igual! Saca só:

Aqui, aqui, aqui (Esse aqui até que foi ano passado... óia só), aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

E alguns estrangeiros...

Here, here, here, here too and here.


UFA! E isso porque eu desisti de googlar!

Outro que já deu o que tinha que dar é esse daqui, o gato ator de sobrancelhas expressivas!

Apesar de usar o Sedentário como exemplo, ressalto que é um dos poucos blogs que visito que sempre posta coisas inéditas.

Nem sei em quantos blogs eu já me deparei com esse gato na última semana.

E os exemplos são muitos. Aposto que cada um aqui pode citar pelo menos umas quatro coisas que já encheram o saco.

Pra não dizerem que fiquei só na crítica e na reclamação, cito com honras um blog excelente:

O Blogpaedia, que sempre traz textos interessantes, inteligentes e criativos. Vale a pena a visita.