terça-feira, fevereiro 02, 2010

A Inútil Filosofia: Do Ünbermensch de Nietzsche ao Homem Ideal de Ayn Rand na Arte Contemporânea



O fato é que meu nome sempre esteve entre os colaboradores do blog mesmo nunca tendo colaborado com uma linha sequer na construção de seu conteúdo. Não me defenderei com explicações e justificativas que legitimem minha postura. Muito pelo contrário, tentarei, a partir de agora, colaborar com o blog. Nunca tive uma “vida” virtual muito ativa, portanto, nunca soube o que escrever em um blog, ou qualquer meio virtual de acesso público. Então, aproveitarei o fato de que fui, sou, e serei sempre um “rato” de biblioteca e postarei alguns devaneios obtidos em minhas jornadas repletas de ratoeiras e ácaros de livros antigos que me provocam os incontroláveis ataques de espirros que vocês bem conhecem. Vamos ver quem consegue terminar as chatas e delongadas linhas de meu escrito.


O tema deste post se baseará no Homem. Mas não no Homem como ele é, mas o Homem como deveria ser segundo duas linhas de pensamento. Para tal, vamos viajar um pouco nas idéias de dois autores completamente distintos. O primeiro, Friedrich Nietzsche (1844-1900), hoje, praticamente um ícone pop, citado à exaustão por aqueles que pensam compreender sua obra (eu, particularmente, compreendo pequenas fagulhas e acho que cada parágrafo é conteúdo para horas de debate). O segundo, ou melhor, a segunda, é a filósofa russa naturalizada americana, Ayn Rand, cuja popularidade é pequena, senão, nula em Terra Brasilis, portanto, vou apresentá-la e sintetizar a essência de sua filosofia. O que ambos com certeza possuem em comum é que suas filosofias não são para os “FRACOS” (risos).


Lembro-me, de ainda adolescente, me deparar com uma versão tosca e barata de “Assim Falou Zaratustra” de Friedrich Nietzsche. Quem, ainda jovem, ao ler tal obra não teve a imaginação incendiada com suas idéias revolucionárias? Ao me deparar com os conceitos de vontade de potência, eterno retorno e transmutação dos valores, tive a sensação de estar diante de uma nova visão de mundo, para não dizer a vontade e desejo de personificar tais conceitos. Mas, dentro de todos os conceitos apresentados por Nietzsche em Zaratustra, o que mais me chamou atenção, e acredito que o que mais chama atenção de qualquer um que tenha lido a obra, é a apresentação de seu Ünbermensch, que no português foi traduzido como “super-homem” — não há tradução universalmente aceita da palavra Übermensch, alguns teóricos preferem o termo “sobre-homem”, outros empregam “sobre-pessoa” assim como “sobre-humano”, utilizarei o termo em alemão Übermenschm, já que Nietzsche usa a palavra como termo técnico. Deparei-me com a filosofia de Nietzsche novamente, desta vez com a maturidade mais acentuada, no intuito de fundamentar um trabalho acadêmico de publicidade (sim, eu utilizo a filosofia como alicerce na criação publicitária) e algum tempo depois, ao saber que sou um fã e estudioso de Watchmen (HQ concebida por Alan Moore e Dave Gibbons) fui presenteado por minha apessoada com um livro que trata de Watchmen e a Filosofia, e um capítulo trata exatamente do Ünbermensch em Watchmen (chegarei neste ponto mais adiante).


Em “Assim falou Zaratustra”, um tipo de profeta e uma das vozes de Nietzsche (o livro possuí uma linguagem que se aproxima da literatura, carregado de um apelo poético, Nietzsche se utiliza de várias vozes para expressar suas idéias, mas isso é um debate para outra ocasião, pois envolve não só o processo pelo qual o autor concebeu suas idéias, mas também limitações de caráter físico) descreve o Ünbermensch em termos heróicos:


Eu vos anuncio o Super-homem.

O homem é superável. Que fizeste para supera-lo?

O super-homem é o sentido da Terra.

Vede: eu sou um anúncio do relâmpago e uma pesada

Gota procedente da nuvem: mas esse relâmpago é chamado Super-homem.


No entanto, uma incógnita percorre a obra. Afinal, em momento algum Zaratustra define diretamente o que a palavra Ünbermensch significa, tampouco descreve como deveria se parecer um Ünbermensch. Alguns especulam que Nietzsche se refere aos grandes homens da História, como Napoleão. Outros vêem o Ünbermensch como qualquer um que tenha superado o que Nietzsche chama de “moral de escravo”, de culpa e ressentimento, o que de fato mais se aproxima com a idéia do autor (Bogodes, com certeza sabe muito mais sobre o assunto do que eu). Para ficar mais clara a idéia de superação da moral de escravo, culpa e ressentimento:


A conquista da super-humanidade, ou da liberação do homem exigiria segundo o pensador um combate feroz contra a antiga moralidade escravocrata que aprisiona o ser humano. O primeiro inimigo seria a moral socrática que reduz tudo sob os pés da razão. Depois disso se deveria exterminar a moral cristã, a moral do escravo, que vale de supostas recompensas em um mundo inexistente, valoriza a debilidade e por meio da exaltação de tudo o que é fraco e doente nega a vida à vontade de potencia. O Cristianismo herança e aprimoramento da deturpada moral judaica condena os instintos naturais do homem como sendo erro e tentação. E sendo os instintos a manifestação da vida, essa negação da moral cristã seria um apoio à destruição da própria vida, ao ódio pelo próprio corpo e, portanto ao ódio de si mesmo e conseqüentemente ao ódio ao restante do mundo e finalmente ao próximo. Tudo é claro sem abandonar as vestimentas de suposta santidade.


Mas vamos guardar essa idéia da superação da “moral do escravo” e de culpa e ressentimento para mais adiante.


Enfim, vamos logo ao que cerne grande parte da filosofia de Nietzsche, ou seja, sua famosa afirmação “Deus está morto.” para tentar compreender a concepção de seu Ünbermensch. Não sejamos ingênuos ao buscar compreender tal afirmação, Nietzsche não quis dizer que houve um Deus que esteve vivo e que agora está morto. Na realidade, o que tinha morrido era o poder da crença em Deus, assim como a sustentação de uma ordem moral. Conforme a ciência explica mais e mais do mundo natural, resta cada vez menos espaço para Deus, ao menos ao Deus pessoal, compassivo, que se interessa pelas questões da humanidade (sejamos honestos, essa idéia não é tão atraente quanto outrora). A morte de Deus deixa um vácuo no reino da moralidade e dos valores: não temos mais uma fonte de moral objetiva ou de ordem e de propósito no mundo. Esse vácuo, uma visão de que a vida é essencialmente sem sentido é chamado de niilismo. Ok, pode parecer complicado de entender, e sim, isso tudo pode nos arrepiar os cabelos da nuca. Vejamos um exemplo dessa visão de mundo através de Rorschach, personagem de Watchmen (cap. VI p. 26):


Olhei para o céu através da fumaça cheia de gordura humana e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante prossegue eternamente, e nós estamos sós. Vivemos nossas vidas, por não termos nada melhor para fazer. Inventamos uma razão depois. Nascemos do esquecimento, criamos crianças tão condenadas ao inferno como nós. Voltamos ao esquecimento. Não há mais nada. A existência é aleatória. Não tem nenhum padrão, salvo aquele que imaginamos depois de encará-la por muito tempo. Nenhum significado, salvo o que escolhemos impor. Este mundo sem leme não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus quem mata as crianças. Não é a sina que as esquarteja ou o destino que as dá de comer aos cães. Somos nós. Apenas nós.

Assim, o Ünbermensch é aquele que, além de superar a “moral do escravo” e da culpa e ressentimento, é capaz de olhar sem medo para o abismo da ausência de sentido, e não só confronta o vazio moral de frente, com o chega a afirmá-lo. Tal confronto se justifica ao final do processo com a criação de novos valores (Nietzsche utiliza a parábola das “Três Metamorfoses”. O camelo representa a aceitação dos valores em voga. O leão representa o niilismo, o rompimento com os valores. E a criança representa a criação de novos valores). Mas não seja precipitado ao achar que Rorschach representa o Ünbermensch em Watchmen apenas por confrontar sem medo a ausência de sentido. Muito pelo contrário, Rorschach sequer se aproxima do Super-homem de Nietzsche, e fique pasmo, em Watchmen o que mais se aproxima de tal ideal é justamente o “vilão” Ozymandias (para saber mais aconselho a interessantíssima leitura de “Watchmen e a Filosofia: Um Teste de Rorschach, editora Madras).


Toscamente essa é a visão da superação do homem de Nietzsche: o Ünbermensch.


Partimos agora para o homem ideal concebido por Ayn Rand. Primeiramente, Ayn Rand é uma das pessoas mais influentes do Século 21. Mesmo tendo morrido em 1982. Rand criou um sistema filosófico que batizou de Objetivismo. É pró-feminismo, antiracista, antiautoritário e anti-religião. Também é baseado no individualismo extremo (ela escreveu um livro chamado “A Virtude do Egoísmo”) e no capitalismo laissez-faire, com supervisão mínima ou nenhuma do estado. Talvez o último aspecto citado tenha sido o maior alvo das críticas destinadas à autora. No entanto, Rand não era uma defensora entusiasta do capitalismo, e sim do individualismo e egoísmo. Mas não sejam “bobos” ao interpretarem egoísmo ou individualismo de forma errada. Primeiramente, ambas as palavras foram usurpadas e deturpadas pelas instituições sociais no decorrer dos séculos, agregando em ambas um forte tom pejorativo, a verdade é que ambas as palavras não possuem juízo de valor em sua origem etimológica. As obras da autora baseiam-se na projeção de um homem ideal. Para Rand, o herói é aquele cujo fim está em si mesmo (é isso mesmo Bogodes, como você com certeza percebeu, essa premissa é um dos imperativos de Kant, imperativo prático, para ser mais exato.). As principais obras filosóficas de Rand foram escritas em forma de romance: “A Nascente” (The Fountainhead) e “Quem Matou John Galt” (Atlas Shrugged). A meu ver, o grande diferencial da autora é contextualizar sua filosofia em histórias que valem a pena serem lidas, não só pela maestria de sua técnica enquanto romancista, como pela vivacidade que emprega em suas personagens. Ou seja, mesmo que você possa não concordar com grande parte de sua filosofia, ler Ayn Rand é, sobretudo, uma ótima experiência literária.

Vamos tentar entender o homem ideal segundo Ayn Rand. Sua filosofia é construída através de antíteses, tais como: individualismo x coletivismo, egoísmo x altruísmo. Através destes conflitos, Rand, ao contrário de Nietzsche, concebe claramente o que o homem deveria ser. Nesse aspecto, o coletivismo para a autora é força que mina a grandeza, liberdade e superação do Homem, é a rédea que mantém o Homem desprovido de sua razão. Ok, posso estar parecendo meio vago, senão totalmente. Portanto acho que se faz necessária uma citação direta da obra da autora. O trecho escolhido foi extraído da obra “A Nascente”, e é um discurso de um “vilão” que prega o coletivismo, e que usa do mesmo para a obtenção do poder. A obra é de 1943, no entanto, como toda grande obra, possui certo caráter atemporal. Vejamos como a autora vislumbra a questão da dominação e como o Homem ideal está além de tais aspirações, e assim como a questão do niilismo em Nietzsche, é arrepiante:


“- O prazer não é o meu destino. Eu encontrarei a satisfação que a minha capacidade permite. Eu dominarei.

- A quê...?

- Você. O mundo. É só uma questão de descobrir a alavanca. Se aprender a dominar a alma de um único homem, você consegue pegar o resto da humanidade. É a alma, Peter, a alma. Não chicotes, nem espadas, nem fogo, nem armas. Foi por isso que os Césares, os Átilas, os Napoleões foram tolos e não duraram. Nós duraremos. A alma, Peter, é aquilo que não pode ser dominado. Tem que ser destruída. Enfie um calço nela, agarre-a com seus dedos, e o homem lhe pertence. Você não precisará de um chicote — ele o trará até você e lhe pedirá que o açoite. Reverta a meta dele — e o próprio mecanismo dele fará o seu trabalho para você. Use-o contra si mesmo. Quer saber como se faz? Veja se alguma vez eu menti para você. Veja se não ouviu tudo isso durante anos, mas você não queria ouvir, e a culpa é sua, não minha. Há muitas maneiras. Aqui vai uma: Faça o homem se sentir insignificante. Faça-o se sentir culpado. Mate suas aspirações e sua integridade. Isso é difícil. Mesmo o pior entre vocês procura, tateando no escuro, um ideal, do seu próprio jeito distorcido. Mate a integridade através da corrupção interna. Use-a contra si mesma. Direcione-a para um objetivo que destrua toda a sua integridade. Pregue a abnegação. Diga ao homem que ele deve viver para os outros. Diga aos homens que o altruísmo é o ideal. Nem um único deles jamais o alcançou e nem um único jamais alcançará. Cada um de seus instintos vivos grita contra ele. Mas você não vê o que realiza? O homem percebe que é incapaz de atingir o que aceitou ser a virtude mais nobre, e isso lhe dá um senso de culpa, de pecado, de sua fundamental falta de valor. Uma vez que o ideal supremo está além do seu alcance, ele acaba abrindo mão de todos os ideais, de todas as aspirações, de todo senso de seu valor pessoal. Ele se sente forçado a pregar o que não pode fazer. Mas uma pessoa não pode ser boa pela metade ou aproximadamente honesta. Preservar a própria integridade é uma batalha dura. Por que preservar aquilo que a pessoa já sabe que está corrompido? Sua alma abre mão do respeito próprio. Você o tem. Ele obedecerá. Ficará contente em obedecer, porque não pode confiar em si mesmo, sente-se inseguro, sente-se impuro. Essa é uma maneira. Aqui vai outra. Mate o senso de valores do homem. Mate a sua capacidade de reconhecer a grandeza ou de atingi-la. Grandes homens não podem ser dominados. Não queremos nenhum grande homem. Não negue o conceito de grandeza. Destrua-o por dentro. O grande é o raro, o difícil, o excepcional. Estabeleça padrões de realização abertos a todos, aos piores, aos mais inaptos, e você paralisa o ímpeto de esforço em todos os homens, grandes ou pequenos. Você paralisa todo o incentivo ao progresso, à excelência, à perfeição. Ria de Roark e defenda Peter Keating como um grande arquiteto. Você destruiu a arquitetura. Avance a carreira de Lois Cook, e você destruiu a literatura. Aclame Ike e você destruiu o teatro. Glorifique Lancelot Clokey, e você destruiu a imprensa. Não saia por aí tentando arrasar todos os santuários — você assustará os homens. Venere a mediocridade, e os santuários estarão arrasados. E há outra maneira. Mate através do riso. O riso é um instrumento de alegria humana. Aprenda a usá-lo como uma arma destruidora. Transforme-o em um riso de menosprezo. È simples. Diga-lhes para rirem de tudo. Diga-lhes que um senso de humor é uma virtude ilimitada. Não deixe que nada permaneça sagrado na alma do homem, e a sua própria alma não será sagrada para ele. Mate a veneração e você terá matado o herói no homem. Não se venera com risadinhas. Ele obedecerá e não imporá nenhum limite à sua obediência — vale tudo — nada é sério demais. Aqui vai outra maneira. Isto é extremamente importante. Não permita que os homens sejam felizes. A felicidade é independente e auto-suficiente. Homens felizes não têm tempo nem utilidade para você. Homens felizes são homens livres. Portanto, mate a alegria deles de viver. Tire deles o que quer que seja precioso para eles. Nunca deixe que tenham o que querem. Faça com que sintam que o mero fato de um desejo pessoal é maligno. Leve-os a um estado em que dizer “Eu quero” não é mais um direito natural, mas uma confissão vergonhosa. O altruísmo é de grande ajuda nesse caso. Os homens infelizes virão até você. Precisarão de você. Virão buscando consolo, apoio, fuga. A natureza não permite nenhum vácuo. Esvazie a alma do homem, e o espaço será seu para preencher. Não sei por que você deveria parecer tão chocado, Peter. Está é a mais velha de todas. Olhe para a História. Examine qualquer grande sistema de ética, do Oriente em diante. Todos eles não pregam o sacrifício da alegria pessoal? Sob todas as complexidades do palavreado, todos eles não tiveram os mesmos temas recorrentes: o sacrifício, a renúncia, a abnegação? Você não conseguiu pegar o tema musical deles? ‘Sacrifício, sacrifício, sacrifício, sacrifício. ’ Veja a atmosfera moral da atualidade. Tudo o que dá prazer, incluindo cigarros, sexo, ambição e motivação pelo lucro, é considerado depravado ou pecaminoso. Basta provar que uma coisa torna os homens felizes, e você a amaldiçoou. Foi a esse ponto que chegamos. Amarramos a felicidade à culpa. E pegamos a felicidade pelo pescoço. Atire seu primogênito em uma pira sacrificial, deite-se em uma cama de pregos, vá para o deserto para mortificar a carne, não dance, não vá ao cinema aos domingos, não tente enriquecer, não fume, não beba. São todos a mesma fala. A grande fala. Os tolos acham que tabus dessa natureza são apenas absurdos. Um resquício, antiquado. Mas sempre existe um propósito no absurdo. Não se incomode em analisar uma idiotice, pergunte-se apenas que conseqüências ela causa. Todos os sistemas éticos que pregaram sacrifício transformaram-se em potências mundiais e dominaram milhões de homens. Claro, é preciso usar camuflagem. Você tem de dizer às pessoas que elas conquistarão um tipo superior de felicidade ao abrir mão de tudo que as faz felizes. Não é preciso ser claro demais. Use palavras imponentes e vagas. ‘Harmonia Universal’, ‘Espírito Eterno’, ‘Propósito Divino’, ‘Nirvana’, ‘Paraíso’, ‘Supremacia Racial’, ‘A Ditadura do Proletariado’. Corrupção interna, Peter. Essa é a mais velha de todas. A farsa prossegue há séculos e os homens ainda se deixam levar. Contudo, o teste deveria ser tão simples: apenas escute qualquer profeta e, se o ouvir falar de sacrifício, saia correndo. Corra mais rápido do que se estivesse fugindo de uma peste. Se usarmos a razão, fica claro que onde há sacrifício, há alguém coletando as oferendas sacrificiais. Onde há serviço, há alguém sendo servido. O homem que lhe fala de sacrifício, fala de escravos e donos. E tem a intenção de ser dono. Mas, se ouvir um homem lhe dizer que você deve ser feliz, que é o seu direito natural, que seu primeiro dever é consigo mesmo, este homem não quer a sua alma. É o homem que não tem nada a ganhar de você. Mas se ele aparecesse, as pessoas gritariam até estourarem suas cabeças vazias, urrando que ele é um monstro egoísta. Portanto, o esquema está seguro por muitos e muitos séculos. Mas aqui você pode ter notado uma coisa. Eu disse: ‘Se usarmos a razão’. Você percebe? Os homens têm uma arma contra você. A razão. Portanto, você precisa certificar-se completamente de que a tirará deles. Corte os alicerces que a sustentam. Mas tenha cuidado. Não a negue completamente. Nunca negue nada completamente, ou você mostra seu jogo. Não diga que a razão é maligna — embora alguns tenham até chegado a fazer isso, e com sucesso surpreendente. Apensa diga que a razão é limitada. Que há algo acima dela. O quê? Não precisa ser muito claro a respeito disso, tampouco. O campo é inesgotável. ‘Instinto’, ‘Sentimento’, ‘Revelação’, ‘Intuição Divina’, ‘Materialismo Dialético’. Se for pego em algum ponto crucial e alguém lhe disser que a sua doutrina não faz sentido, você estará preparado. Você responde que há algo acima do fazer sentido. Que, nessa questão, ela não deve tentar pensar, deve sentir. Deve acreditar. Faça com que parem de usar a razão, e você pode jogar como se tivesse todos os coringas: qualquer coisa vale, de qualquer maneira que você desejar, quando desejar. Você os tem na mão. Dá para dominar um homem que pensa? Não queremos nenhum homem que pensa.”.


Fica absolutamente claro nesta citação que o homem ideal para Rand é aquele que não se permite levar por todas as armadilhas construídas por homens que se alimentam de homens. Neste aspecto, o homem ideal é aquele que não abandona sua razão. Ah, já conseguimos observar pontos divergentes da visão do homem ideal de Rand e Nietzsche. A primeira defende a razão, completamente. O segundo, não só a nega como a coloca como um obstáculo que deve ser ultrapassado. A primeira uma racionalista em absoluto, o que deixa clara a grande influência de Emmanuel Kant. O segundo, um irracional, cuja metafísica consiste de um universo quase que “byroniano” e misticamente malévolo, onde sua epistemologia subordina a razão à “vontade” ou ao sentimento, ou as virtudes de caráter inatas. No caso de Nietzsche percebem-se as influências de Schopenhauer e Dostoievski. Mas podemos colocar alguns pontos em comum. Lembram-se da superação da “moral do escravo”, culpa e ressentimento atribuídos à obra de Nietzsche? Pois é, mesmo sendo tão divergentes, os autores concordam nesse aspecto. Na citação de “A Nascente” fica clara a influência da “culpa” na vida do homem (a “culpa” como um instrumento de dominação, alienação), assim como a “moral de escravo” de Nietzsche também se faz presente no discurso, e ambos possuem quase que a mesma concepção quanto ao fator “religião”. Claro que Nietzsche é um crítico mais fervoroso neste sentido.


OK. Não seria justo colocar o ideal de homem, segundo Ayn Rand, através do discurso de seu antagonista. E como eu disse que Rand, ao contrário de Nietzsche, deixa claro sua concepção de Homem, vamos colocar as atribuições do tal sujeito, ou melhor, “O Cara” (risos). E olha que legal, a obra “A Nascente” virou filme nos 1950 e foi co-dirigido pela própria Ayn Rand, que além de filósofa era dramaturga (escreveu várias peças de teatro) e roteirista de cinema. Portanto segue um trecho do filme. Não estou contextualizando essas citações, o que seria importante por tratar-se de um romance, mas acho que mesmo não contextualizando fica claro o discurso da autora. A obra possui quase mil páginas, portanto ficaria complicado contextualizar em poucas linhas.

Ufa...para os que conseguiram acompanhar até aqui (será que teve alguém? Hahahaha), ficou evidente como se dá a construção do Übermensch de Nietzsche e do Homem ideal segundo Rand, assim como suas divergências e peculiaridades em comum. Claro, isso tudo numa visão bem superficial.

Afinal, o que eu quis dizer com tudo isso? Vamos chegar neste ponto exatamente agora, tenham paciência (risos).


Lembro-me das descontraídas discussões com o nosso amigo Bigodelhos quanto a validade da filosofia na vida das pessoas. As discussões sempre terminavam em tom de zombaria afirmando a inutilidade da filosofia, o que levava nosso amigo “loser” a concordar por não mais agüentar tamanha zombaria com sua paixão (e sim, eu era um zuador afinco de nosso nobre amigo, mas não se preocupem, eu continuarei sendo). Mas, alguns anos depois, assim como algumas dezenas de livros lidos depois, venho, não só me manifestar a favor da filosofia, como a cultuá-la como o combustível primordial na criação de grandes obras da cultura contemporânea. Claro que podemos fazer uma análise filosófica de qualquer obra (independente do meio, cinema, literatura, HQ, artes plásticas, música, etc.) e transportá-la para linha que pretendemos estudar. Tal passividade está além do propósito do autor. Mas o que quero dizer, é que a filosofia é utilizada conscientemente pelo autor na concepção de sua obra, ou seja, não há coincidências, está ali pelo simples fato do autor lhe dar propósito. Este extenso texto sobre o Homem, o primeiro quase um desafio de seu autor, o segundo, o homem tal qual deveria ser, teve o intuito de demonstrar a essência da filosofia de seus autores, para só assim relacionar a influência de suas filosofias na arte contemporânea.


Por exemplo, os conceitos da filosofia de Nietzsche podem ser encontrados em duas das maiores obras do meio artístico-cultural do século XX em suas respectivas linguagens. Primeiro “2001: Odisséia no Espaço”, filme de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, considerado o melhor filme de ficção científica de todos os tempos. A filosofia de Nietzsche não só está presente, como faz parte da subtrama do filme, até a parábola das “Três metamorfoses” está presente no filme. A segunda, como já citei anteriormente, é “Watchmen”, grafic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. A grafic novel personifica não só vários aspectos da filosofia de Nietsche, como o niilismo nietzchiano e o próprio Ünbermensch, como também dialoga com as filosofias de Kant, Hume, Hegel, Weber, Eco, Bérgson, etc. E vai por mim, o barbudinho, assim como Kubrick e Clarke, sabiam muito bem o que estavam fazendo, portanto, antes que você cogite a possibilidade eu já afirmo, não, não foi coincidência. E olha que coisa legal que descobri conversando com um amigo mestrando em estudos literários, a filosofia de Nietzsche pode ser vastamente encontrada nas obras de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores ícones da literatura brasileira.



“Ah, mas Nietzsche é bastante popular, e não me espanta ter sido usado como referência fora do âmbito acadêmico” você deve estar pensando. Ayn Rand não fica muito atrás. Por exemplo, as HQs Sin City e 300 de Frank Miller são praticamente tributos a obra de Rand, assim como “2112”, um dos mais conceituados álbuns do grupo canadense Rush, um dos maiores nomes do rock progressivo mundial. E não pára por aí, Steve Ditko, co-criador do Homem Aranha, é um entusiasta da obra de Rand, sendo seu trabalho com o personagem Questão uma síntese da filosofia randiana. (para saber mais ler artigo “Os Objetivos do Senhor Ditko: http://guedes-manifesto.blogspot.com/2008/12/os-objetivos-do-senhor-ditko.html ) Pra terminar, a filosofia de Ayn Rand influenciou Mark Cuban e Jimmy Wales a criarem o site Wikipedia.



Por fim, tanto a filosofia de Nietzsche quanto de Rand foram utilizadas na concepção de obras e personagens que encontram-se incrustados em nosso imaginário. Nesta óptica, a filosofia foi matéria-prima essencial na concepção de obras artísticas cultuadas da cultura contemporânea. “Inútil filosofia”? Pobres daqueles que ainda lhe vêem associada com adjetivo tão disparato.


Então é isso. Sempre reclamei de posts demasiados longos, mas como nunca contribui com o site, esta foi minha colaboração para compensar os anos de ausência (risos). Se você conseguiu ler até o final, espero que tenha gostado e que tenha tirado algum proveito, nem que seja apenas no ato reflexivo. Talvez futuramente eu venha postar algumas coisas que venho estudando, como: “Baudrillard: A Hiper-Realidade e o Simulacro Hollywoodiano” ou “Identidade: A Ontologia do Consumo”. É isso meus amigos (as), um abraço e nos esbarramos nos botecos da vida.

12 comentários:

  1. Fala Alex! Finalmente temos a honra de uma postagem sua. Pulha. É um post de tamanho adequado ao tema e muito bom, ainda mais porque dá margens para um bocado de postagens novas.

    Há quem acuse Nietzsche de falta de clareza e de dar amplas margens de erro e de gerar inúmeras interpretações equivocadas. Depois de ter algum tanto de convivência com textos de Nietzsche, acabo achando essas acusações bem injustas, mas apontar porquê (e como) é algo demorado, cujo efeito pode desmoronar assim que alguém pegar qualquer aforismo da obra do autor e, sem nenhuma paciência, citá-lo e dizer "tá vendo, ele não foi claro". Autores claros geralmente precisam ser lidos várias vezes, com seus livros de conceitos concatenados e explicitados ao longo de milhares de páginas. Autores obscuros precisam ser interpretados muitas vezes ao longo de muitas horas ruminando seus livros de um tanto consideravelmente menor de páginas e costumam ser mais populares por causa do aparente fácil acesso a seus conceitos, geralmente condensados em afirmações pequenas. Por isso, vou me abster de falar de Nietzsche e dizer que, na postagem, Ayn Rand me pareceu muito mais atraente, principalmente pelo fato de ser mais clara. Minha opinião é de que os conceitos de Übermensch e de Homem Ideal estão muito próximos — arrisco dizer que talvez sejam exatamente o mesmo conceito —, principalmente se o Homem Ideal se aproxima do Grande Homem, na citação do vilão: o homem que não pode ser dominado pelos destruidores de almas — se homem ideal e grande homem não se aproximam, então essa história de Nietzsche e Rand terem os mesmos ideais é só uma impressão minha mesmo. Eu já estava certo de que preciso ler Ayn Rand. Agora, tenho ainda mais vontade de ler essa filósofa. Acho que ela, assim como Freud, lia muito Nietzsche de madrugada, às escondidas, dizendo, durante o dia, que o que ela dizia não tinha nada a ver com essa história obscura de Nietzsche.

    Quanto à inutilidade da filosofia, só devo lembrar de algumas coisas que eu falava — das quais devo tratar em breve em uma nova postagem. A utilidade é uma medida estranha à filosofia. Ela serve para medir muitos cálculos e resultados, mas não princípios fundamentais e primeiras causas. Uma boa metáfora que aprendi é que medir a filosofia pela utilidade é como medir o potencial de um peixe como um todo somente pela sua capacidade de debater-se fora d'água. Por esses e outros motivos, nunca tive problemas ideológicos com a inutilidade (suposta ou efetiva) da filosofia.

    Por fim, das obras de arte que você citou, não conheço bem o álbum do Rush e Watchmen, mas já vi e ouvi com certeza um tanto dos dois. Portanto, o post me lembrou de uma frase cuja origem não sei, mas que é bastante ilustrativa desse tema: "Filosofia e arte são montanhas vizinhas, que contemplam o mesmo abismo."

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  2. Meu Deus, Bogodes! Vai comentar desse tamanho, faz um post! Não basta esse do Alexander com a letra gay de elfo (nem li ainda) e GIGANTESCO, ainda tem um comentário desse tamanho!!

    Vcs estão compensando alguma coisa?

    =P

    Só pra incomodar, agora vou ler o post.

    Beijo da Gorda

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  3. És um grande feladaputa! Primeiro post e já entra de sola! Preciso de tempo para ler esse post e chegar ao primeiro degrau da altura do mesmo. Ainda mais que não saco nada de Nietzsche! "Esses negócio" nomeados por palavras com encontros consonantais desse tamanho só podem fazer mau ao cérebro! o_0

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  4. Salve, Bigodudo! Realmente existem certas semelhanças entre o Übermensch de Nietzsche e o Homem Ideal de Rand, mas daí a dizer que são os mesmos, acho que seria um equívoco. Acredito que a principal, e essêncial diferença, é que Rand concebe o Homem Ideal fundamentado no racionalismo, e inclusive inserido no moralismo ocidental. Mas com certeza essa é uma longa discussão. Quanto a objetividade de Nietzsche (ou a falta dela) é uma questão delicada. Nunca tive a oportunidade de debatar o autor, por mais que eu tenha lido bastante coisa do mesmo, mas compreendi melhor o processo pelo qual Nietzsche concebia sua filosofia lendo seus críticos (ou melhor, apreciadores) tais como Foucault e Deleuze. A partir daí percebi que por uma limitação física, Nietzsche possuia uma forma peculiar de escrever, e que as vezes demorava meses para voltar a escrever um mesmo conceito, enfim, acho que você também sabe disso...hehehehe...Quanto a sua curiosidade por Rand, realmente é justificada, pois a mesma é encatadora. Em relação a utilidade da filosofia, nem me referia aos propósitos dos próprios filósofos, mas do fato da mesma ser, de certa forma, matéria-prima na concepção de um trabalho criativo na indústria cultural. E não de usurpar, mas sim de conceber um certo propósito nas idéias concebidas pelo filósofo, como o aço, o concreto e os tijolos que adquirem um propósito através da vontade de um arquiteto. Enfim...

    Poxa, Luiza...foi mal o post quilométrico, estava compensando meus anos de ausência no blog..hahahaha..Quanto a letra gay de elfo, eu realmente jurava que Times New Roman era meio que uma letra padrão dos machos alphas!..hahahha

    Salve William. Cara, nem precisa saber nada de Nietzsche pra entender o que eu escrevi, a idéia era só tentar compreender o conceito de Übermensch (ou super-homem). Na verdade nem precisa saber nada de filosofia para entender o que eu escrevi..hehehehe...minha idéia foi só fazer uns links inusitados, observar como a filosofia é atraente e nos desafia em nossas posturas morais, e principalmente de demonstrar como a filosofia é importante na construção da arte contemporânea e para a indústria cultural.

    É isso meus amigos(as). Peguei pesado no post mas isso sou eu...hehehehe. No mais, que Jesus, Perry o Ornitorrico e o Alasão lhes protejam!(heheheh...brincadeirinha, a parte de Jesus, é claro!)

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  5. Alexander, perdoe o excesso de sinceridade, eu me interesso pelos assuntos mais variados, sou uma grande fã da leitura, mas teu texto parece um trabalho acadêmico, não li mais do que 1 ou dois parágrafos pq não me prendeu. A pessoa precisa entender ou pelo menos se interessar MUITO por filosofia pra ter paciência de ler o teu post.
    Como teu meio de vida será outro que não escrever para leigos como eu, continue postando o que te aprouver!

    Beijos da Gorda

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  6. Bom... Li! Hehehehe! Confesso que dos grandes filósofos, me aproximo muito mais daqueles que enriqueceram a sociologia. Lógico que poderíamos dizer que todo filósofo o faz. Creio que saibam que me refiro, por exemplo, a Marx, aos frankfurtianos, Weber e outros que me fogem da mente nessa hora da madrugada.

    Confesso que Nietzsche nunca me seduziu. Posso estar cometendo um grave erro, pois não conheço nada da obra dele. O pouco que pude absorver através do post é de fato interessante. Principalmente a idéia de surgir um Ünbermensch a partir da superação da moral do escravo. Concordo com as idéias gerais. Porém, ainda o acho realmente um pouco confuso e impreciso. Talvez apenas conseguiria superar essa barreira se estudasse um pouco mais de filosofia. Mas... por enquanto, isso é inviável.

    Já Ayn Rand... parecia interessante enquanto se fala em "pró-feminismo, antiracista, antiautoritário e anti-religião". Quando não levantadas sobre o pedestal do radicalismo, tudo isso é válido e nobre. Quando segui adiante e me deparei com "individualismo extremo", "capitalismo", "laissez-faire" e, consequentemente, "supervisão mínima ou nenhuma do estado", tudo caiu por terra. Posso ser um pouco preconceituoso e isso se deve um pouco a minha formação (em curso) e ao pouco que somei ao meu caráter no decorrer da minha vida. Pode me chamar de comunista, Alexander.

    "Talvez o último aspecto citado tenha sido o maior alvo das críticas destinadas à autora". Lógico! Isso aí que ela defende já provou por si próprio ser inadequado ao desenvolvimento da humanidade. Ao menos o desenvolvimento intelectual, tecnológico e social saudáveis.

    "No entanto, Rand não era uma defensora entusiasta do capitalismo, e sim do individualismo e egoísmo". Quê? Como não? Individualismo e liberalismo (laissez-faire) são os pilares de sustentação da teoria capitalista. "Mas não sejam “bobos” ao interpretarem egoísmo ou individualismo de forma errada". De que outro jeito, então? "Primeiramente, ambas as palavras foram usurpadas e deturpadas pelas instituições sociais no decorrer dos séculos, agregando em ambas um forte tom pejorativo, a verdade é que ambas as palavras não possuem juízo de valor em sua origem etimológica". Quais instituições, cara pálida?

    A discussão acerca de individualismo e egoísmo humanos é quase infinita. Para ter certeza do que Rand escreve e defende, eu precisaria ler sua obra. Meus comentários foram superficiais, devido a isso.

    No mais, espero outros posts do Kobold Putardo Mor para que possamos discutir mais ainda sobre tantos outros assuntos. Melhor que isso, só sew estivéssemos nos botecos da vida! =D

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  7. Antes que o Alexander responda, vou botar mais lenha na fogueira, com o que entendi do post, acerca das perguntas do Lannart. Daí o Alex pode dizer se eu entendi bem, ou estou viajando demais. Ressaltando: o que tem no meu primeiro comentário e o que terá nesse baseia-se em alguns conhecimentos de filosofia, bem como no que eu conheço da Ayn Rand, que não é nada senão isso que o Alex postou aqui pra gente.

    Antes disso, duas coisas importantes: primeiro, ler Nietzsche é tenso requer pelo menos duas de três coisas em imensas quantidades e, se a terceira estiver no meio, desanda tudo e só dá merda, a saber, boa vontade, paciência e falta de noção. Depois, filosofia faz exatamente isso com a palavra tal como a usamos no dia-a-dia: vira ela do avesso. Um dos exemplos mais comuns é a palavra "ideia", que, antes de Platão, significava simplesmente e tão somente "perfil", ou "jeito"; tipo o seu perfil na foto, ou o seu jeito careca de ser. Geralmente, ao virar uma palavra do avesso, os filósofos costumam resgatar um sentido mais primordial e já perdido, e cunhar um novo sentido a partir da mistura e reelaboração.

    Ao apontar egoísmo e individualismo como bases de sua filosofia, me parece que Ayn Rand diz mais ou menos que a gente não deve pregar o bem das pessoas por algo que está fora de nós, tipo um deus ditando mandamentos, ou um rei fazendo leis. Nesse sentido, todo altruísmo é um egoísmo velado: nessa visão você faz bem ao outro porque isso promove o seu bem, porque você se sente mal ao ver o outro na merda, tanto mais quanto mais ele for próximo de você. Você não faz o bem porque deus acha bonito, ou porque te mandaram, ou porque seu pai ensinou: você só acredita em deus se quiser, só obedece aos outros se quiser e só ouve seu pai se quiser. O indivíduo íntegro, nessa visão, me parece aquele que não tira o próprio rabo da reta pra botar a culpa de suas más ações no diabo, nem pra botar o mérito das boas ações em deus, nem pra dizer que seu cabelo é feio por causa do padrão da moda... ele diz "eu é que fiz essa merda, eu é que ajudei e fui ajudado por fulano, eu é que estou dizendo que a porra do seu cabelo tá feio pacaraio". Qualquer oposição pode sempre ser invertida e repensada, mas se a gente quer entender Rand, temos que entrar no jogo dela. Não entendo até onde e de que modo ela defende capitalismo e outras coisas, mas certamente não é uma versão que entrega tudo nas mãos do deus mercado e da deusa moeda e reza na bolsa de valores. Isso não faria sentido. Aperfeiçoando-se a noção de individualidade, fazendo de cada um um inteiro e autêntico responsável por suas ações, compondo uma economia com aqueles que vão procurar em tudo, por iniciativa própria, somente o melhor, qual é a porra do sistema econômico que não dá certo? Nesse ponto talvez ela tenha escolhido o capitalismo ao invés do imperialismo da China antiga, porque neste último quase todo povo era considerado lixo renovável em prol do imperador. Vou achar muito estranho se o capitalismo que ela defende prever lixo humano em prol do mercado, acho que não é esse o caso.

    Achei seus comentários muito bons Lannart, porque puxam fios soltos, principalmente nas palavras mais centrais e mais problemáticas, mas o post é do Alexander e ele é quem precisa responder se a gente tá viajando, ou qual é o caso. Posts grandes geram comentários grandes. hehe

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  8. Concordo com os pontos que você expôs quanto ao egoísmo e individualismo. Ainda preciso ler a obra de Ayn Rand para ter certeza se é isso que ela prega. Talvez o Pulha possa confirmar isso pra gente. Eu, como pessoa e como futuro assistente social, condeno a caridade e o altruísmo. Não tenho dúvidas de que pouquíssimas pessoas, ou quase nenhuma, o fazem com o objetivo na ação pura e simples em si, mas sim buscando satisfazer a si próprio ou expiar seus pecados e tentando alcançar destaque nas sociedade micro ou macro. Quando se fala de caridade, fala-se de uma ação continuada. Quem a recebe, jamais alcança independência de qualquer tipo, dependendo sempre da “ajuda” benevolente daqueles que têm posses.


    Mas quanto a isso, desde o início eu concordaria. O que eu acho improvável, é resgatar a origem etimológica das duas palavras, individualismo e egoísmo, de forma a torná-las apreciáveis da forma como a autora parece colocar. O ser humano é sim individualista e egoísta por natureza. Mas o é na forma primitiva. Isso é instinto de sobrevivência. Evoluimos enquanto sociedade a partir do momento que passou-se a pensar no coletivo. Os animais irracionais também zelam pelo coletivo, mas não da forma como os humanos. Nos extrapolamos isso, principalmente com a questão do trabalho e com a nossa capacidade teleológica. Sem contar que, o ponto central da questão individualismo e egoísmo, essa idéia de naturalidade que se associa aos dois conceitos/comportamento foi bastante utilizada durante toda a história para poder justificar atos condenáveis. O liberalismo se vale desses princípios para permitir e legitimar que as pessoas busquem cada vez mais lucro a partir da exploração extremada da classe trabalhadora, principalmente. Essa história de que os “interesses individuais naturalmente se harmonizariam em proveito do coletivo” é uma falácia das mais sem vergonha. Basta olhar para a história e ver que essa ideia beneficiou a muito poucos.


    Não sei qual o tipo e orientação política e econômica Rand defende. Só sei que, falando de mulher e de filosofia, clamo a presença de Marilena Chaui. =D Como tantos outros filósofos, lamento não conhecer melhor a obra de Chaui. Mas o farei.

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  9. Salvem! Primeiramente, muito bons os comentários. Bigodes se aproximou bastante das concepções filósoficas de Rand, é por aí mesmo Bigodudo.

    Quando me referi a questão etimológica das palavras "egoísmo" e "altruísmo", quis dizer que as mesmas não possuem nenhum tipo de juízo de valor em seus significados. E, claro, hoje, ambas possuem certo tom pejorativo, nem é preciso explicar como instituições como a Igreja foram fundamentais na deturpação de tais significados. Outro aspecto que vale lembrar é que Rand é de origem russa, nascida em 1905, portanto vivenciou de perto a revolução Bolchevique, o que foi uma experiência essencial na construção de sua filosofia. Quanto a justificativa do Lannart quanto ao individualismo como um alicerce na exploração do homem, vale lembrar que o conceito de Rand se basei no princípio Kantiano que diz "O homem deve ser um fim em si mesmo", portanto, tal argumentação crítica não é válida no que diz aos conceitos de Rand, afinal, a exploração se baseia em um linha contrária, ou seja, "O homem é um meio em si mesmo". Ah, e para não esquecer, voltando novamente para um olhar histórico, o coletivismo foi base para as maiores atrocidades cometidas pelo homem, haja em vista o Nazismo e demais regimes ditatoriais que possuiam como base o coletivismo. Para terminar, como estou sem tempo, vale lembrar que o ponto importante em qualquer influência filosófica na sociedade se dá unicamente na maneira em que o homem a utiliza em seus aspetos morais. Nesse ponto, de Marx a Nietzsche, todos tiveram suas idéias usadas totalmente fora de seus conceitos originais. Finalmente, Rand defendia uma visão política que de fato nunca existiu e dificilmente existirá, nesse ponto é pura utopia, tanto quanto Marx. Mas acima de tudo, para reforçar, o mais interessante em Rand é realmente seus dotes literários, a forma como desenvolve seus personagens e o resgate do "Herói", coisa que estava sendo deixado de lado quando concebeu suas principais obras. Ah, aconselho também que vocês vejam o vídeo que inseri no post, é bem interessante e impactante, e resumi muito bem algumas idéias de Rand. No mais é isso putardos! A discussão foi muito boa, e nem sei se voltarei a postar no blog, estou muito concentrado nessas viagens mais acadêmicas, o que pode parecer um saco pra maioria...hahahaha

    Abraços!!!

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  10. Não concordo com Kant. O homem é, deveria, ser muito mais do que um fim em si mesmo. Essa idéia é muito limitada e primitiva.

    Rand deve ter vivido em algum lugar longe da Rússia durante a revolução bolchevique.

    "tal argumentação crítica não é válida no que diz aos conceitos de Rand, afinal, a exploração se baseia em um linha contrária, ou seja, "O homem é um meio em si mesmo".

    Linha contrária a quê? Que linha? Não tem como separar exploração de individualismo e egoísmo.

    O nazismo não agiu em prol do coletivo, mas sim de um grupo específico dentro de uma nação que não era 100% composta por um único "tipo de povo". Os judeus podiam ser uma minoria, mas eram alemães. Isso não é pensar no coletivo.

    É muito válido o "resgate do herói". Mas é incoerente pensar que um herói precisa ser individualista e egoísta.

    E, finalizando, os últimos anos serviram mais do que nunca para provar que as teorias de Marx estão longe de serem utópicas.

    Um dado complementar, Marx é leitura de cabeceira até mesmo dos pró-capitalistas.

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  11. Olá rapazes! William, eu entendi o que Alexsander quis dizer com “não interpretem egoísmo ou invidualismo de forma errada”, da mesma forma que o Éder. Este egoísmo/individualismo seria algo como valorizar a si próprio e se permitir ser feliz, libertando-se das limitações que nos são (im)postas por meio da culpa e de sacrifícios, por não alcançarmos um “estado pleno de altruísmo”, o que é comumente feito pelas religiões. Não associei essa parte ao capitalismo.
    Mas, realmente ficam dúvidas quanto à que orientação política e econômica Rand defende, visto que, em outros dois momentos, ela aponta a teoria marxista como uma dessas formas negativas de dominação ideológica: quando ela diz que uma das promessas a serem feitas em troca do sacrifício poderia ser "A Ditadura do Proletariado" e em outro momento que uma das formas de negar a razão é dizer que há algo acima dela, dentre elas o “Materialismo Dialético”. E, se for isso, não concordo com ela, já que considero a teoria socialista extremamente libertadora, já que estimula o homem a acreditar em si mesmo, ao contrário do capitalismo. Mas, pode ser que ela tenha relacionado a isso, devido ao objetivo do socialismo ser um movimento coletivo, o que ela condena. Claro que também temos que considerar a conjuntura histórica, já que no ano em que o livro foi escrito (1943), a Rússia era governada por Stalin, que deturpou totalmente os princípios do Socialismo, o que deve ter feito com que a visão dela sobre isso fosse a pior possível. Mas, aí, já é outra discussão...
    Só a título de curiosidade, a música tema de “2001: uma Odisséia no Espaço” (Tã, tã, tarãããããã...) também foi inspirada na obra de Nietzsche; é “Also sprach Zarathustra”, composição de Strauss.
    Beijos para vocês.

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  12. Buenas tardes!

    Érica, eu entendi o posicionamento de Rand. Mas não concordo com ele. Esse tipo de idéia já foi muito utilizada para justificar exploração e o liberalismo, principalmente. Seria realmente fantástico se as pessoas colocassem esse tipo de idéia que Rand defende em suas vidas. Mas isso não acontece. Idéias assim sempre são utilizadas com objetivos escusos e deturpadas em benefício de uma minoria privilegiada.

    Vc apontou muito bem a contradição teórica dela. Para ter certeza disso precisaria ler a obra dela ou que o Alexander nos iluminasse. Mas parece que ele abandonou o debate. =[

    Eu proponho duas coisas:

    Primeiramente, prq não trocamos individualismo por individualidade e egoísmo por amor próprio?

    Em segundo, que se faça então o resgate etimológico das duas palavras. O Alexander disse que "várias instituições" usurparam deturparam o uso das expressões, mas só citou a igreja. Antes ou depois da igreja, quem mais o fez? Que outras instituições?

    É isso! Valeu Érica e apareça sempre.

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