segunda-feira, março 01, 2010

Motivos motores

Faz um bom tempo que as questões de utilidade e inutilidade debatem-se em minha cabeça. Começou quando eu tinha treze anos e fui descobrindo, em minhas conversas com meus pais, que uma hora teria que decidir muitas coisas. O que fazer da vida, andar com quem, tornar-me o quê, e assim por diante.
A vida é útil? inútil? nada disso? ambos? alguma outra coisa? Em qualquer caso, se ela é alguma coisa, deveria ser mesmo isso? Conversei com muitos adultos desde então, e li um punhado de livros, e tive um bocado de aulas, freqüentei uns tantos grupos religiosos, céticos, mistos... e descobri a cada vez uma resposta excelente, que confirmava uma velha teoria, nem minha, nem de ninguém: a vida não é pronta, nem fechada. Se fica pronta, é só quando termina e, até lá, seus caminhos estão abertos. A vida acaba se ajeitando com o que fizermos dela.
Algumas pessoas vendem caminhos. Muitas compram. Há muitos caminhos dados de graça e gente que tenta seguir vários ao mesmo tempo. Uma coisa todos os caminhos parecem ter em comum: eles só são mais fáceis ou mais difíceis por comparações superficiais feitas de fora.
Depois que essas conclusões reviraram-se internamente em minha vida com a tão grande e tão comum exigência de utilidade de nosso tempo, acabei observando muitas outras coisas e decidindo alguns dos meus caminhos desde essas observações.
As coisas realmente importantes não se deixam medir pela utilidade. Estão acima dela, na minha opinião. Amor, para começar. Parece que é o que impede as mães de atirarem os filhos pela janela, ou os pais de consumarem um aborto retroativo, se a criação não teve os resultados esperados. Por que outro motivo insistiríamos tanto em tantos caminhos que podem nos desgastar, fazer mal, atrasar? É sempre possível amar bons caminhos, boas pessoas, boas coisas; todas as coisas amadas tendem a parecer boas, apesar de nem sempre serem. Pais, família, amigos, mulheres... depois os filhos, que podem passar a ocupar o primeiro lugar e recomeçar o ciclo. Muitos de nossos caminhos mais importantes são trilhados por causa — talvez por conseqüência — do amor.
A arte — música, literatura, filmes, e assim por diante — já parece começar a misturar amor e utilidade, porque é possível vender arte, produzir arte, viver de arte. Mas o que consideramos melhor no meio de todas essas coisas, costuma teimar e não se deixar medir pela utilidade. Amamos uma boa música porque ela existe, porque a ouvimos, sem que ela precise ser outra coisa que ela mesma. Ainda tenho muitos sonhos em trilhar um caminho que seja da arte, ou que a atravesse em algum ponto, porque considero a melhor alternativa para fazer o que preciso, o que quero, o que gosto. A exigência por utilidade, muito legítima por representar as necessidades inerentes à vida, acaba nos exigindo um tempo e uma dedicação que nem sempre se encaixam com aqueles que a arte exige.
O conhecimento parece misturar amor e utilidade ainda mais. Acabamos sendo convocados a prestar contas para o mundo, a produzir algo com o que sabemos fazer, mesmo quando não gostamos muito de exercer o que aprendemos. Acredito que essas coisas grandes, fundamentais e imprescindíveis — amor, arte, conhecimento — têm uma importância que ultrapassa serventia, utilidade, ou qualquer mera necessidade da vida que não seja o simples fato de viver. Conhecemos, criamos e amamos porque vivemos. Seria bem estranho — senão impossível — conceber a vida sem alguma dessas grandezas fundamentais. Nunca fui contrário a receber um retorno devido por algo produzido, ou a empenhar o conhecimento, a arte e o amor para intensificar e melhorar a vida. Reduzir tudo ao âmbito da mera utilidade é o que considero um grande problema.
O amor é um dos temas centrais de minha vida. A utilidade é aquilo que mais é exigido de mim desde os treze anos. Talvez por isso eu tenha escolhido trilhar um caminho repleto do conhecimento mais inútil — ou mais resistente à medida da utilidade — engendrado pela história humana. É um caminho que, do jeito como estou tentando percorrer, acaba atravessando a arte — e talvez retorne a ela. Quando isso acontecer, espero ter coisas melhores a dizer a respeito da vida, do amor e da arte. Por enquanto, ficam essas incompletas observações que refletem meus pensamentos, que, por sua vez, revolvem-se na tentativa de fazer com que eu viva das coisas que mais amo.

3 comentários:

  1. BOGODES: O mais graduado Inútil da História dos Losers.

    ^^

    Mas, sério, esse teu texto me lembrou algo que eu penso dos críticos de arte: a maioria deles não faz a menor ideia do que está falando! Na minha opinião, grande parte da produção de arte é feita simplesmente porque o artista PRECISA fazer aquilo, não pra passar uma mensagem, nem por influência disso ou daquilo.

    Sempre fico imaginando uma cena como a do filme Encontrando Forrester: o autor declarando publicamente que a crítica do outro é um monte de bobagem, que a interpretação de sua obra foi totalmente equivocada.

    Pelo menos, nas poucas e parcas poesias que EU produzo, não cabe qualquer análise racional ou de utilidade.

    Beijokas!

    ResponderExcluir
  2. Cara... essa dúvida está encalacrada na minha mente desde não sei quando! Do jeito que as coisas estão... creio que ainda continuará fazendo parte de meus questionamentos diários.

    Bancando, mais uma vez, o chato marxista, a utilidade pra mim se traduz em valor de troca e valor de uso. Para o valor de troca vale a fetichização das mercadorias: compra-se algo apenas por causa da marca ou pelo puro consumo em si. Cria-se necessidades que não existem ou não existiam até então. Ou extrapolam-se simples necessidades para se obter mais lucro.

    A teoria marxista prega que essa relação com as mercadorias, com o consumo, foi transportada aos poucos para a vida das pessoas sem que elas percebessem (ao menos não a grande massa). As relações humanas foram coisificadas, simplificadas e passaram a ter prazo de validade, bula e manual de instrução. E ainda se faz necessário avaliar as possibilidades de ganho antes de entrar numa relação, qualquer que seja!!

    Dessa forma (Posso estar meio perdido na argumentação. É o sono!), passamos a dar um valor pra tudo que fazemos. Tudo precisa ter uma certa utilidade, que se traduz, quase que obrigatoriamente em valor comercial. "Vc precisa ser produtivo! Vc precisa ser útil pra sociedade!" Quantas frases desse tipo ouvimos? Ou então, uma pior: "Vc vai escolher essa profissão? Xiii... vai morrer de fome." Essa é matadora! Bom exemplo dessa ideologia destruidora é o valor que hoje é dado ao professor. Antes eram mestres! Hoje? "Hum? Professor? Professor não trabalha...". Essa desvalorização tem motivos. Beneficia alguns poucos interessados, e bem instruídos.

    Quanto a arte, vcs disseram muito bem. Só acrescento que "arte de verdade" é apenas aquilo que alguém conseguiu determinar um valor comercial. O resto, é ignorado; Não é arte.

    É isso.

    Desculpem-me pelo tamanho do comentário.

    Beijos e abraços!

    ResponderExcluir
  3. Minha paciência pra leituras boas é infinita, portanto nem precisam se preocupar com o tanto de linhas dos comentários (se a minha paciência pra leitura é grande, a do resto do mundo com certeza também é, de acordo com a sabedoria do umbigo, hehehe).

    De acordo com esse conceito de "arte de verdade", acabo preferindo muitos exemplares da "arte de mentira". Se considero utilidade (no sentido mais profundo, primordial, melhor e amplo possível) uma medida completamente inadequada para a arte, imagine só o que penso do valor comercial. Os quadros de van Gogh, por exemplo, só se tornaram "arte de verdade" depois que ele morreu — não eram arte antes? será? Não conheço muito de pintura, mas já tive opiniões confiáveis de que eles sempre foram arte de verdade, do tipo que estabelece sua própria medida, a despeito de coisas com outra ordem de importância, como a utilidade. É esse o aspecto mais problemático do nosso trato com as coisas — quaisquer que sejam os modos de produção ou as teorias para analisá-los —, essa imposição desmedida de uma única medida para tudo. Se for para medir tudo por um só prisma, que seja um prisma bem feito, bonito e adequado à responsabilidade de dar sentido ao mundo — considerando com a devida atenção as partes mais fundamentais desse mundo, tais como vida, amor arte e conhecimento.

    ResponderExcluir