
Faz já algum tempo desde que meus amigos, cientes de todas as minhas desventuras amorosas e de seus detalhes sórdidos, proibiram-me terminantemente de enviar cartas.
Eles obviamente sabiam que seria como proibir o crime. O crime é sempre proibido. O crime é sempre cometido infinitas vezes mais. Paguei muito caro por meu crime de enviar cartas. Em todas as vezes, meus amigos nunca precisaram mover sequer um dedo para me punir, ou dizer o quanto o crime não compensa. Sou um eterno ladrão nesse sentido. As autoridades da sensatez jamais conseguirão conviver comigo.
Sabemos todos que o problema nunca foi escrever cartas, nem qualquer outro detalhe isolado dentro de meus desajustes emocionais. Sou um especialista em atirar-me de cabeça em piscinas vazias, mas pelo menos reconheço que não sei amar e ainda tenho muito que aprender nesse — e em muitos outros — sentidos. Até então, descobri muitas maneiras erradas de fazer as coisas. Absolutamente nenhuma certa, em absolutamente nenhum detalhe — além de minha boa vontade, de minha dedicação, e, claro, de minhas cartas. Uma descoberta muito valiosa, porque agora sei muito bem uma porção imensa de coisas que eu não devo fazer. Acredito que minhas experiências passadas devem servir para enriquecer — e não para entulhar e impedir — as futuras, de modo que continuarei a escrever cartas, para todo mundo — o que eventualmente irá incluir uma mulher pela qual me interessar no futuro, apesar disso ter passado a figurar como atividade criminosa.
Sei que estou destinado a morrer por meus crimes, mas ainda posso inspirar gerações futuras a viver por coisas sem nenhum valor e a morrer por coisas sem nenhum sentido, como o amor.
Nos momentos em que estive na prisão — de querer escrever cartas, mas sentir a promessa aos amigos como uma obrigação que eu não poderia negar —, comecei por várias vezes alguns versos que permaneceram incompletos, não-remetidos e que, de acordo com eles mesmos, não serão enviados, pelo menos enquanto eu viver. Os espaços entre eles contam como uma forma de pontuação prolongada, porque cada parte começou em tempos diferentes. Recentemente, reli os pedaços e o conjunto deles pareceu combinar um pouco, de modo que achei interessante colocá-los adiante.
Talvez eu nunca possa entregar-lhe esta carta, minha amada.
Para mim, o amor que sinto agora parece mais intenso que tudo que já senti.
É mais forte que qualquer amor do passado
e destinado a durar a eternidade em meu peito
Nunca poderei entregar-lhe esta carta, minha amada.
O que mais desejo é fitar seus olhos enquanto nos entregamos um ao outro,
mas seu nome é um segredo guardado em meu peito
e sua vida, um acontecimento sempre distante.
Gostaria de estar em sua proximidade
e perder-me todo dia na fragrância de seus cabelos
e encontrar-me toda noite no calor de seu leito
e acordar ao seu lado a cada manhã
A perfeição de meu tempo escapa-me por entre os dedos...
enquanto os dias repetem minha falta, meu desassossego.
Nenhum sinal de seu sentir jamais recebo
através da distância infinita que nos separa.
Portanto, nunca poderei entregar-lhe esta carta.
Talvez eu tenha nascido para amar sem esperar recompensas.
Ser um devoto sem divindades, perambulando sobre abismos.
Talvez eu tenha nascido para aprender o que é solidão.
Vagar com rumo certo, sem ter rumo nenhum.
Meu caminho é o limite entre as tensões inconciliáveis
de saber exatamente o que quero e ter certeza de que não terei.
Seus olhos fitam com desejo apenas os olhos de minha imaginação.
Um olhar que jamais existirá em lugar algum,
porque eu nunca lhe entregarei esta carta.
Algumas de minhas criações às vezes envergonham-me, mas tenho aprendido a ter vergonha apenas do que é vergonhoso. Poucas coisas são realmente vergonhosas, se feitas com propriedade, por necessidade e com decisão. Ainda assim, costumo relutar em publicar quaisquer versos, mesmo para um público bastante seleto, como o daqui. Considero que, num balanço geral, estou muito bem. Para começar, por estar me sentindo bem. Acho que só por isso mesmo, porque eu ia fazer uma escala comparativa, mas acabo de descobrir que, para mim, os outros não servem nem pra isso. O que importa são vocês e eu. Que os outros se entendam entre eles, na sua distância.
Tive problemas com o título até encontrar a imagem, e acho que consegui concluir como em geral a aura dos "losers" afeta aqueles que se embrenham nela, mesmo as entidades oníricas, como o cupido. Vou continuar esforçando-me para fazer as coisas darem certo. Vou continuar mantendo-os atualizados de todos os meus desastres.