terça-feira, janeiro 05, 2010

Veredas

Tudo começou num dia útil, talvez uma quinta, em que eu dormia enquanto o mundo trabalhava. Estava sonhando numa boa quando, derrepente, o sonho recebe aquelas estranhas interferências que um celular causa na tela de um monitor antigo. Era um telefonema da Gôrda, que fica bem feliz em me despertar — e me faz ficar mais feliz em ser acordado. Ela convidava-me para uma viagem de fim de ano, da melhor maneira de fazer viagens surgirem: sem planos determinados, sem métodos pré-estabelecidos, ou qualquer garantia... apenas uma grande vontade de viajar, que logo compartilhei e amplifiquei de minha maneira lenta e constante.
Os acontecimentos do percurso estão narrados muito bem por ela em seu blog, do qual gosto muito: http://velhasquasevirgens.blogspot.com/2010/01/o-conto-do-condado.html
Minha versão dos acontecimentos vai demorar um pouco para sair, porque eu sou lento. A viagem, porém, me fez concluir sentimentos, pensamentos e teorias que eu ruminava há varios meses — alguns com mais de um ano. Antes deles, apenas gostaria de aproveitar esta linha para expressar mais uma vez minha gratidão infinita pela existência da Gôrda. Como não sei bem quem é o responsável pela existência das pessoas, penso ser válido agradecer à própria existente: obrigado, Gôrda!
Nosso grupo de estrada teve muitas conversas que começaram assim que a "road trip" teve início; depois, elas estenderam-se aos amigos que nos receberam, e finalmente continuaram mais uma vez durante todo o percurso da volta. Saída e chegada foram apenas pontos secundários para mim. O que aconteceu entre esses pontos, o percurso de nossos caminhos, o fazer-se de uma parte memorável de nossas vidas... isso é o que tem para mim a primeira importância.
Das várias rotas possíveis, tanto na ida quanto na volta, escolhemos aquela única possível, que é a que devemos percorrer. Bem estranho isso. Num momento, parecemos escolher por nós mesmos, por nossa livre expontânea vontade, para em seguida percebermos que não poderia ser de outro modo, que aquele caminho, com seus desvios e acontecimentos, era nosso único caminho possível, nossa necessidade. É difícil medir o quanto podemos escolher um caminho e o quanto nosso caminho já nos escolheu antes. Tomo emprestadas palavras que tornaram-se minhas, dizendo que a liberdade é o estreito de um caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Da mesma fonte (Grande sertão — veredas, do Guimarães Rosa) tomo emprestadas adiante mais algumas das palavras que tornaram-se minhas, para tentar dizer um pouco daquilo que sempre repito novamente, sem sucesso em expressar-me com a devida clareza.
Viver é muito perigoso. Um olhar inadequado, uma palavra mal colocada, cinco minutos de atraso, detalhes menores até, podem desviar e arruinar uma vida inteira, duas vidas inteiras, quem sabe quantas vidas mais? Se eu tivesse deixado de falar o que precisava, se eu tivesse dito mais do que deveria, se eu tivesse ficado em casa... quantas vidas eu afetaria e com que direito? Há quem diga que andar de moto é perigoso, ou que sofrer um acidente é perigoso, mas essas pessoas não costumam atentar para o perigo de um olhar, de uma desconfiança, de um prejuízo que fazemos de alguém em função de mágoas passadas, ou de preconceitos herdados que relutamos em admitir. Esses erros todos e esses riscos todos eu vejo antes em mim. Eles me assustam mais do que a maior parte das coisas que deveriam me assustar de fato, se eu fosse mais sensato.
Passei longos anos tentando domar o medo de falar com os outros, expressar-me, dizer o que penso. Palavras tortas e ouvidos tortos distorcem tudo que quiserem. Domar o medo de ser, ao mesmo tempo, lento e desesperado, calmo e furioso, perdoador e rancoroso. Não tenho a conta de quantas oportunidades me passaram diante dos olhos enquanto tentei domar meu medo, mas tenho que acreditar que elas não eram minhas, se eu não estava pronto para elas. Houve um tempo em que eu sabia o que era estar pronto... e estar pronto era aquilo que eu nunca estava. A vida chega sempre de surpresa e é preciso coragem pra decidir o que fazer com ela. Nenhuma decisão parece fácil, se bem medida: dizemos um sim e negamos todo resto, nas decisões pesadas — aquelas depois das quais não há retorno. Ou bem dizemos um não, para esperar um inesperado melhor, mais merecedor de nosso cuidado, de um "sim".
Acabo de descobrir que passarei meses incontáveis tentando desvendar minhas próprias conclusões, que tudo que parecia estar claro depois das muitas conversas é só um começo de muitas coisas difíceis, das quais nem comecei a tratar aqui. Gostaria de saber me expressar melhor, mas isso, por hora, é o melhor que posso fazer.

5 comentários:

  1. Meu sistema de 16 cores está muito feliz com as atuais configurações do blog, mas o que aconteceu com os comentários?
    Talvez tenhamos comentários futuros que digam que, se nossas postagens são obscuras, pelo menos o blog está bem claro. ahuuhahuahuahuahua
    O haloscan mudou um monte, foi engolido por empresa maior, ao que parece. É por isso que nossos comentários antigos desapareceram com a mudança de aparência do blog?

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  2. Infelizmente os novos formatos (cores) dos modelos do blogger não permitem utilização de comentários gerenciados pelo Haloscan. =[ Ou, também, talvez (certo) que meus parcos conhecimentos em html não permitam que eu os mantenha no novo formato do blog! Uma pena. Eu gostava do Haloscan. Um minuto de silêncio, por favor.

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  3. Ah Eder, leio todos os seus textos e gosto muito. Só não costumo comentar porque ainda sofro do mal de "tentar domar o medo de falar com os outros, expressar-me, dizer o que penso". Leo acha que seria legal se eu criasse um blog, acha que me ajudaria. Mas, acho tão difícil... Beijos, e quando estiver por aqui no ES, avise-nos.

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  4. Olá Érica! É bom saber que temos mais uma leitora! Eu já tive problemas pra falar com os outros, mas acabei conseguindo deixá-los de lado. Certamente vou comunicar a chegada pra vocês, diretamente, ou através de mais uma das crônicas bigodescas. Pode comentar meus textos à vontade. Eu acho bom poder contar também com a sua opinião.
    Obrigado e inteh...

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