quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Senda do regato esquecido

Certo dia, percebi que precisava ir a algum lugar, mas não conseguia pensar em lugar algum. Este lugar deveria ser calmo, pois de há muito já me cansava o barulho da cidade onde eu morava. Foi quando comecei a raciocinar... e em minha mente eu montei este refúgio.
Uma bela paisagem, de áreas verdes. Uma estrada deserta guardava a porteira para o esconderijo de meus sonhos. De um lado, uma plantação de pimenta-do-reino; do outro, uma cerca cortada por uma estrada de chão, que, por sua vez, era protegida pela tal porteira. Passando pela estrada, eu poderia notar diversas árvores compondo uma mata. À minha direita ficava um pasto, aliás, um belo pasto, com a grama verde aparada pelo gado que ali pastava todos os dias. Mais a diante, depois da mata, uma casa simples e pequena, branca, de detalhes azuis, que ficava de frente para o pasto, como que para vigiá-lo, uma vez que este era ainda maior do que a mata. O silêncio era quebrado apenas pelo canto dos pássaros e por um leve barulho de águas correntes. Fiquei curioso com essas águas e prossegui mais rápido o meu caminho, que me levou ao topo de um morro cercado por pasto. Agora eu estava feliz. Lá de cima, eu podia avistar um córrego grande e de águas límpidas, com peixes de todas as cores e tipos. Várias árvores — em volta do pasto e às margens do regato — davam uma beleza ainda maior para a deslumbrante paisagem.
Uma ponte! Foi uma ponte que eu achei às margens do rio — que agora eu o chamava assim por perceber que ele era maior do que eu imaginava. Atravessei a ponte e segui as águas do rio, que foram parar numa lagoa, com um alto morro de pedra do outro lado e algumas árvores em sua extensão. Mais ao longe, avistei uma morada, um pequeno abrigo de madeira, com telhado de palha.
Finalmente encontrei o meu canto, o meu tão desejado lugar, onde eu poderia fazer o que quiser, sem ninguém para criticar ou reclamar. Para aumentar minha felicidade, nessa cabana eu encontrei alguém. Minha alma gêmea, meu par perfeito. Passei a morar nesse lugar. E lá eu construí minhas coisas, minhas terras, meu amor e minha família.
É uma pena, um grande lamento, que eu estava me enterrando num abismo. No abismo da insanidade... pois este lugar só existia em minha mente. Agora não posso mais sair de lá, porque somente despertaria de meu sonho eterno, se encontrasse um lugar como aquele. Um refúgio perfeito.
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O texto é do século passado, datado do segundo dia de julho do sétimo ano da década de noventa. Coisa antiga. Aconteceu numa prova bimestral de redação, cuja data coincidiu com meu aniversário de quinze anos, e voltou do limbo recentemente, enquanto eu rearrumava mais uma vez meus papéis e coisas antigas. O título original é "Refúgio" — e eu continuo achando melhor o título original, mas não vou questionar os motivos misteriosos que me fizeram, hoje, "lembrar" do atual título, enquanto procurava o texto para digitar e publicar. Modifiquei o menor número possível de palavras, acentos e sinais de pontuação. Lembrei bem do que pretendia com o escrito — e por isso me senti no direito de fazer tais alterações, que são mais de adequação à proposta do que de adequação às normas. Eu pretendia transmitir uma experiência que dependesse do mínimo possível de fatores — dentre nomes, identidades, gêneros, posições sociais, contextos, e assim por diante. Planejava, já faz algum tempo, postar isso tudo aqui no blog. Engraçado ter algumas semelhanças estruturais com o conto do Lannart — principalmente o tema da insanidade e a ausência de nomes próprios, detalhes que já vinha sempre revendo em diversas obras (como exemplos, o filme Clube da Luta, com um protagonista sem nome e altas doses de insanidade; e o conto O sósia, de Dostoiévski, em que o nome é só mais um sinal da perda de individuação) todas elas intimamente relacionadas com a vida na cidade (no espaço e no tempo da cidade, grande, abafada, barulhenta e estranha, de qualquer lugar e época).
Por hoje é só.

3 comentários:

  1. Bigodelhudo! Lindos escritos, como sempre. As vezes penso que a loucura de verdade a gente vive aqui, na realidade. Esses refúgios de nossos anseios parecem ser a verdadeira felicidade quando nos deparamos com um mundo como é o nosso, hoje.

    Mas pessoas como nós, vieram para tornar esse lugar como os de nossos sonhos e devaneios.

    Viva la utopía!

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  2. Olá Natália! Obrigado pela opinião favorável e pelo beijo.

    Fala Lannart! Espero que possamos um dia contribuir um tanto com a realidade, diminuindo as diferenças entre nosso estranho mundo de cada dia e nossa tão familiar imaginação.

    Mais três vivas à utopia!!!

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